O que estava acontecendo antes de eu ter um mínimo de memória das coisas eu não sei. Mas como minha terra funcionava quando eu tinha meus 6 a 10 anos?
Bom, antes de mais: as pessoas trabalhavam quase todas no campo. E de sol a sol.
Eram as batatas, o feno para os animais, o centeio pouco de trigo, aqui), os pimentos, as couves. Era a azeitona, as castanhas para meia dúzia, os pepinos, os tomateiros e pouco mais.
Sendo o gado cavalar um auxiliar precioso para os trabalhos do campo, depressa o povo concluiu que lhes tinha de proteger os cascos, o que deu ao proliferar nas aldeias de um equipamento fundamental importância: o "Tronco" que servia para ferrar o gado do trabalho. Uma profissão milenar e uma das mais antigas do mundo: a arte de ser ferreiro. Mesmo sendo uma profissão rara e em alguns lugares extinta.
O tronco tal como a própria designação indica, consistia numa estrutura de madeira, de quatro pilares obtidos através de troncos, dois deles com orifícios onde se fixava uma pequena armação em madeira, em forma de jugo, onde era metida a cabeça do animal quando vinha a ferrar. A estrutura cingia seus movimentos, permitindo que o ferrador executasse seu trabalho, evitando coices e chifradas.
Havia Três ferradores na aldeia!
O mais antigo que me lembro, era o Sr. Antônio ferreiro a sua oficina ficava na Praça, e era casado com Tia Prina, depois fica viúva. Aí como lembro de, na ida, ou na vinda da escola, aproveitar, a ausência do Sr. Antônio (ferreiro na praça) numa “fugida”, usar o “torno”, para retirar, o bico do meu pião. Do “sermão”, na porta da “oficina”, não me livrava e, por vezes, reconhecido que fosse, de uma acusa aos meus pais. De quando em vez, em tempos de nossa juventude, lá ouvíamos o tilintar da marreta, do malho, do martelo aquecido até a brasa tendo "suporte, a bigorna.
Para aquecimento do ferro, conhecia, à altura, a forja alimentada a carvão e soprada, inicialmente, por foles e depois, por ventiladores. Como se tratava de um “equipamento” sujo e, por que não dizer, perigoso, devido às potenciais escaldadelas causadas pelo carvão em brasa e das fagulhas.
As oficinas do ferreiro ganharam muita importância nos tempos em que a agricultura era a base da sobrevivência das comunidades rurais. Nesse contexto, o ferreiro realizava todo tipo de implemento necessário para a lavoura: arados, charruas, foices, etc.
O outro ferreiro mais sofisticado, tinha sua oficina localizada na Espadana e se chamava Sr. Dr. Antônio casado com Tia Adelina, mais tarde, ficou viúvo. O ferreiro em silêncio, cercado de calor, malhando ferro na incandescente, fatigando músculos e suando, ouvindo o repicar agressivo e enfadonho das marteladas. A verdade é que ninguém está preparado para a morte e em geral o assunto ainda é um tabu. Cada um vai lidar de uma maneira particular com a viuvez. O que o destino reservou ao Sr. Dr. Antônio, foi se apaixonar por Tia Prina e depois se casaram. Couve o destino de Tia Prina, casar com dois ferreiros. Vindo mais tarde a ficar viúva novamente.
No Tronco havia um largo e deram-lhe esse nome por se lá encontrar o tronco, que servia todos os lavradores da aldeia como de outras povoações, que quisessem vir ali limpar e proteger os cascos dos seus animais de trabalho. Ainda existia há alguns anos.
Dr. Antônio, uma pessoa muito entendida em animais, com conhecimento de veterinário popular, formado na universidade da vida, por isso chamado também sempre que algum animal doméstico sofria acidente ou tinha um achaque. Exemplo, quando as vacas se engasgavam com uma batata entalada na goela, lá vinha o tio ferrador... da praça "calçava" as luvas e cuidava dos animais de nossos antepassados.
Toda a gente conhece as ferraduras de burros e cavalos. Menos conhecidas são as ferraduras dos bois. Cavalos, burros e machos, animais com casco único, levavam ferraduras, seguras com cravos que entravam a martelo. Já as vacas, animais de dois cascos, eram aplicados canelos, igualmente seguros por cravos.
Imobilizados os animais, o ferrador tirava a ferradura velha com uma grande turquês. Depois cortava com formão um pouco do casco. Alisava o casco com uma grosa e aplicava-lhe a seguir com grandes marteladas uma nova ferradura, ajustada ao tamanho e unha do animal. Com um martelo espetava os cravos - uns pregos que eram enfiados em buracos da ferradura de modo oblíquo relativamente à pata. Depois cortava e limpava com uma grosa as pontas dos cravos que saiam do casco. Existe uma expressão relacionada ao ofício de ferrador "dar uma no cravo e outra na ferradura" que significa dar um golpe certo e outro não, dizer duas coisas contraditórias.
O terceiro ferrador se chamava Tio Faxuquinho, já falecido, sua esposa se chamava Tia Armanda, sua oficina, ficava perto da escola velha.
Ferrar tamancos, aguçar utensílios – enxadas, picaretas, machados, fouces, relhas, guinchas, ferraduras e outras alfaias agrícolas etc. esta era uma das suas missões. No Inverno muitas vezes quando ia para a escola passava por lá para me aquecer, outros meninos faziam o mesmo. Nesse tempo os Invernos eram muito duros.
Naquele tempo, os animais sujeitos a muito trabalho, os cascos dianteiros tinham de ser ferrados de quinze em quinze dias, não só por trabalharem todo o santo dia, mas devido também ao esforço desses animais na ração dos carros pelos caminhos pedregosos. Mas havia fazendeiros que não levavam ao tronco seus animais com essa regularidade.
Como em quase todos os lares havia pelo menos um animal de tração ou carga, o tempo de espera para ferrar os animais, chegava a ser um bom par de horas, ou mais...! O que importa é que havia tavernas por perto onde eles podiam esperar sua vez enquanto tomavam alguns drinks e conversavam. Mas também podiam ficar conversando entre si, perto do tronco. Os troncos de ferrar eram locais de convívio aonde acorria muita gente para contar e ouvir histórias e novidades. Esse ofício de ferrar os animais era mais com o Sr. Dr. Antônio especialista da arte.
Bem-Hajam!
Com este artigo quis relembrar uma arte que se praticou em Argoselo por um homem que sabia e sabe concertante desta arte e ensinou alguma gente a seguir este ofício.
Blog freixagosa





O meu pai trabalhou como ferreiro em argozelo mais de 30 anos
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