As colheitas,
como as segadas, eram na verdade uma festa, logo bem cedinho até à noite.
(Hoje já não são bem assim)
A foice, como o
próprio nome indica, destinava-se a ceifar, isto é a cortar. As dedeiras, por
norma de cabedal revestiam apenas dois dedos, aqueles que teriam mais
probabilidade de virem a ser atingidos pela foice (os dois mais pequenos da mão
esquerda) num qualquer momento de descuido ou de cansaço.
Os cantos
transmontanos constituem umas das mais profundas e originais expressões da
música regional portuguesa. E para bem tratar os segadores, havia o “desjejum”,
logo bem cedo, ao princípio do trabalho; aí pelas dez horas da manhã, depois de
um trabalho de cerca de quatro horas bem rendosas, não faltava quem apresentasse
uma merenda especial.
O amo da segada
vai fazendo os seus cálculos, preocupado com o decorrer das horas e o número de
terras para segar, porque não lhe agradava que o trabalho ficasse para dois ou
mais dias. E a dona de casa tinha de olhar para as suas tarefas, consideradas
como jornada longa e preocupante, porque os segadores eram respeitados nesta
festa de ano, em que é bem patente a alegria de meter a fouce na seara, apertar
carinhosamente os “molhos de espigas” e abraçá-los com dedicado amor ao fazer
os “molhos” e apertá-los com as dedeiras.
Todo o santo
dia se cantavam as “Cantigas da Segada”, escolhidas a dedo pelos ranchos, pela
norma do tradicional, desde o amanhecer até à noitinha. O dia era longo, dos
maiores do ano. Estes cantos entoados durante as segadas, duma forma arrastada
e vigorosa, como é próprio destes homens e mulheres entoado alternadamente. A
voz masculina inicia numa textura particularmente aguda, a voz feminina que,
adotando um registo médio, própria para cantar no campo, incentivam todo o
rancho a cantar.
Os
trabalhadores, principalmente na minha infância mais recuada comiam todos do
mesmo recipiente que era colocado no chão, em cima de uma toalha que por sua
vez era colocada em cima de uma manta de trapos embora cada um com uma colher
individual e o mesmo acontecia com o garfo. Por norma comia-se com o garfo ou a
colher na mão direita e por norma na mão esquerda segurava-se e comia-se uma
fatia de pão.
E como os dias
de Junho – Julho são como anos, não faltava a merenda caprichada pela
parte da dona de casa, para sustentar o dispêndio de energias de quem aguentava
toda a sesta, sem descanso, alagado em suor.
Vinho não
faltava, andava sempre na mão do amo em
cabaça ou bota espanhola para no começo de cada novo sulco matar a sede a todos
os que precisassem; e para que as coisas corressem sempre pelo melhor.
Regra geral era
no final ou começo de cada novo par de regos que os trabalhadores se hidratavam
bebendo água ou menos frequentemente vinho. Na altura da ceifa o calor aperta
e, água é melhor que vinho.
Cada
trabalhador protegia-se do sol com chapéus de palha seguros ao queixo por fitas
ou elásticos e usavam, às vezes, lenços ao pescoço. Estes lenços destinavam-se
a limpar o suor que, com o avançar do dia e o trabalho, ia surgindo por todo o
lado sendo mais visível principalmente na cara e no pescoço.
Os homens recebiam mais dinheiro que as mulheres e por norma executavam tarefas
mais pesadas, embora por vezes também ceifassem.
Na verdade
, a ceifa é trabalho algo árduo e duro. É preciso ter boa têmpera, estar
habituado a suportar o calor de brasa que cai do céu de chumbo para aguentar
esse trabalho, essa luta heroica do homem com a terra.
À noite,
comia-se a ceia, já em casa e os trabalhadores iam dormir para descansar e
recuperar forças para o dia seguinte. No caso de searas menores os ranchos eram
formados em parceria que basicamente quer dizer: trabalho para ti e tu para mim
a seguir.
No meu tempo de
criança, os campos que já estavam
segados, ia-se ao rebusco da espiga e de vez enquanto observava a peregrinação
diária dos segadores, e ia tomando conta de alguns desabafos que se ouvia dizer
aos donos das searas: Um ano à espera entre inúmeros e contingentes perigos, ao
desprender dos sentimentos de funda gratidão para com o Senhor Deus do céu e da
terra que tudo nos dá, e que nunca nos falte o pão e o caldo.
Hoje em dia as
coisas são muito diferentes e mais fáceis já que os meios mecânicos não
só segam como malham e atam o cereal em sacos. Tempos modernos que
trazem sempre um pouco de nostalgia para todos aqueles que se lembram perfeitamente
do calor infernal que era uma segada.
Quem planta,
colhe. E a colheita, é sempre maior que a plantação!
Ilídio
Bartolomeu
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