domingo, 24 de março de 2024

Endoenças em Argoselo 1999

Em Argoselo são ainda muitas as tradições cristãs e pagãs que sobrevivem e repetem na semana que antecede a Páscoa, desde os autos da paixão, as endoenças, vias-sacras, queima do Judas.

Estas tradições são marcadas por fortes sentimentos de religiosidade, mesmo quando constituem momentos eufóricos da expansão lúdica do povo"



sábado, 16 de março de 2024

Auto da Paixão de Jesus Cristo (Argoselo) 1ªParte



O TEATRO POPULAR


"O Auto da Paixão de Cristo é uma parte da identidade Argoselense. Este espetáculo é a reprodução da maior prova de amor realizada entre os homens. Tradição desta altura do ano, o teatro popular religioso pode estar em vias de desaparecer. Mesmo assim, há quem queira revitalizá-lo. A dinâmica social das povoações mudou, os autos, constituíam uma importante manifestação de teatro popular tradicional, podem estar em vias de desaparecer. É difícil juntar 50 ou 70 pessoas, em povoações desertificadas, duas horas por dia, para ensaiar a realização do auto, para que ponham de pé a representação, o dinheiro até aparece, uma vez tomada a decisão. Mas não há sequer dinamizadores locais. O clero poderia interessar-se mais, passando o entusiasmo à pessoas, para contrariar aquilo que pode ser a tendência de desaparecimento.

Não só o padre Manuel do Nascimento, que enquanto pároco, como alguns intelectuais argoselenses; Sr. Ismael, (latueiro) Sr. Raimundo (sapateiro) mais recentes; Sr. José Fernandes (conde) Sr. Humberto do Fundo (limpa chaminé) e Sr. Carlos Oliveira (sargento) ajudaram a dinamizar a tradição teatro popular. Nestas iniciativas desempenharam um papel importante.

Que eu me lembre, vi em Argoselo, Os Sete Infantes de Lara, A Paixão de Cristo e a Imperatriz Porcina. Os textos dos autos (como das endoenças) são, essencialmente, manuscritos por populares a partir de outros textos eruditos sobre a vida de Jesus.

Nas longas noites de Inverno, dizia José Fernandes (Conde) era fácil à comunidade encontrar-se para ensaiar. A emigração e a desertificação do interior foram causas evidentes da desmobilização popular em redor destas tradições. Como também o aparecimento de formas alternativas de passar o tempo livre, como os cafés. Hoje, para retomar a tradição, é mais difícil que aconteça. Junto de alguns conhecedores do fenómeno, numa década houve um só auto em Argozelo, havia muito mais realizações nas décadas de 50 e 60 foram, aliás, as mais intensas em termos de realização e recolha, neste século.

A comunidade diz também que nota não haver muito interesse por parte das entidades em " recriar, reinventar, recuperar ou não deixar morrer" o teatro popular.

Blog Freixagosa


 

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Auto da Paixão de Jesus Cristo (Argoselo) 2ª Parte








quinta-feira, 14 de março de 2024

MEMÓRIAS DA PÁSCOA QUE SERÃO SEMPRE DE HOJE!!!

 

Cabrito assado no Forno

Na Quaresma, no tempo antes da Páscoa, é altura de jejum: evita-se comer carne às sextas-feiras, por respeito a Jesus Cristo que foi crucificado numa sexta-feira. Mas o domingo de Páscoa já é dia de festa e ressurreição, voltando-se a comer carne como cabrito ou borrego, à imagem dos tempos antigos

Nos dias anteriores à Páscoa a água do rio lavava os cobertores, arejavam-se e perfumavam-se as casas com ramos de alecrim, limpavam-se as paredes, esfregavam-se os soalhos, substituíam-se os papéis que enfeitavam o rebordo dos armários da louça, ao mesmo tempo que se procedia à lavagem e renovação da palha dos colchões, enchiam-se, com a ajuda duma forquilha feita a partir de um ramo duma árvore. Areavam-se os tachos e panelas e tudo tinha de estar a brilhar para receber o Compasso. Do cheiro a rosmaninho, buxo e plantas que atapetavam a entrada das casas, do folar e da rosquilha acabado de cozer, que inundava a rua mal se abriam as portas, do sabor doce da jeropiga e do porto com que cada família recebia a comitiva da visita pascal, do som do sininho anunciando o percurso da cruz e da caldeirinha.

A excitação da época pascal começava no Domingo de Ramos. Sem fé e sem o mínimo conhecimento do significado dos rituais religiosos desta época, só me interessavam os ramos feitos com alecrim, rosmaninho, buxo e oliveira. Vestido de domingueiro, eu percorria a longa rua da aldeia, do cruzeiro de São Sebastião até à ao cruzeiro de Santo Amaro. Aí, juntava-me aos miúdos da minha criação, uns com singelos ramos, outros com ramos maiores cumpríamos escrupulosamente os ritos da missa do Domingo de Ramos no largo da praça, onde o padre terminava abençoando-os com água benta no largo da praça.

O dia de Páscoa amanhecia bem cedo. As crianças andavam numa euforia! Vestidas com as suas melhores roupas, era nesta altura que estreavam roupa nova, mesmo os mais pobres, cujos pais tinham poupado uns tostõeszitos para a ocasião. Como toda a gente, eu acreditava na diferença entre água benta e água vulgar, pela pia de pedra onde se encontrava à entrada da igreja, ou outros recipientes onde se guardava para mais tarde. Tal como acreditava que era sangue de Cristo que o padre bebia por um copo de prata, e o corpo de Cristo que ele dava a comer em forma de hóstias a todos aqueles a quem a confissão limpara a alma.


A  Pia  da Igreja

A pequena sineta, nas mãos de uma jovem criança ou de um adulto, já se fazia ouvir de mansinho pelas ruas da aldeia e aquele som era uma música melodiosa que entoava nos ouvidos dos meninos. A alegria era contagiosa! – Já lá vem…já lá vem…, gritavam eles a plenos pulmões numa grande euforia.

O primeiro a entrar nas casas era o homem que transportava a caldeira da água benta e que aspergia a todos numa bênção desordenada. Ao mesmo tempo outro elemento da comitiva lia uma pequenina passagem da Bíblia, muito rapidamente, à qual ninguém prestava atenção. Depois entrava o homem que transportava a cruz e todos se ajoelhavam dando o crucifixo a beijar a todos os presentes, repetindo “Corpo de Cristo”, A seguir vinha o que transportava o saco do dinheiro, não poderia faltar, claro, todos contribuíam de acordo com as suas possibilidades. Lá fora o sineiro não parava de tocar.

A nossa tarde do Domingo de Páscoa era passada neste caminhar, entrar e sair das casas. Mas era o Domingo de Páscoa que me enchia de alegria. Adorava percorrer a aldeia atrás da pequena comitiva de acólitos de Cristo. Os breves minutos que o Compasso permanecia dentro de portas variava de casa para casa. Era nesta altura que o tempo media e separava os estratos sociais.


O Folar da Páscoa

Enquanto nas casas dos pobres o Compasso mal entrava já estava de saída, nas casas dos mais abastados havia uma mesa coberta por uma bonita toalha branca de linho e, em cima, por regra, uma garrafa de vinho do Porto assim como folares, rosquilhas, pão-de-ló, bolos e amêndoas, para acompanhar a pequena conversa de circunstância. Não faltava também um pequeno prato onde uma nota bem à vista ajudava a purificar a casa.

Assim recordo a Páscoa, muitos que já partiram para a terra do “nunca mais de lá voltam”, o domingo do sininho, da caldeirinha e da Cruz, o dia de “beijar o Senhor”, as ruas perfumadas com cheirinho de alecrim e outras flores, as casas com o perfume do folar e da rosquilha cozido e dourado no forno a lenha. Era assim a visita pascal, naqueles dias, que passava num ápice como uma rajada de vento.

A minha aldeia era uma terra de mineiros e, naquela altura, poucos anos após a segunda Guerra Mundial, o trabalho nas minas começava a escassear. As dificuldades surgiam, a fome era muita e as doenças, como por exemplo a tuberculose e sarampo atingiam praticamente todas as casas. Mas não havia preocupação nenhuma em beijar a Santa Cruz. Se a fé movia montanhas porque não poderia afastar as doenças?


As Amêndoas da Páscoa

Ou seria pura e simples ignorância. Ainda hoje a Páscoa representa, para mim, um tempo de renovação, um tempo de arejar as ideias após o longo e obscuro inverno que a precede. É urgente eliminar do pensamento tudo que seja negativo para que não haja qualquer resquício que atrapalhe o caminho.

Tão importante que se passem a escrito essas evocações de algo que se vai perdendo e consolidava a comunidade. Neste tempo de Páscoa, percebo, ano após ano, que eu posso ter saído da aldeia, mas a aldeia não saiu de mim.

Ou seria pura e simples ignorância. Ainda hoje a Páscoa representa, para mim, um tempo de renovação, um tempo de arejar as ideias após o longo e obscuro inverno que a precede. É urgente eliminar do pensamento tudo que seja negativo para que não haja qualquer resquício que atrapalhe o caminho.

Tão importante que se passem a escrito essas evocações de algo que se vai perdendo e consolidava a comunidade. Neste tempo de Páscoa, percebo, ano após ano, que eu posso ter saído da aldeia, mas a aldeia não saiu de mim.

Desejo boa Páscoa a todas as Famílias paz e felicidade!


Após a casa benzida,

O povo a cruz beijou,

Aleluia! Nova vida!

Cristo ressuscitou!


Blog Freixagosa













domingo, 10 de março de 2024

ENTENDER O PODER DAS PALAVRAS

Há um poder intrínseco nas palavras que transcendem a sua simplicidade aparente. Elas são mais do que meros sons ou símbolos escritos; são veículos de emoção, conhecimento, conexão e transformação. As palavras têm o poder de acalmar corações inquietos, inspirar mentes cansadas e provocar mudanças profundas no mundo ao nosso redor.

Quando proferidas com cuidado e intenção, as palavras podem erguer castelos de esperança nos corações despedaçados, acalmar tempestades internas, curar feridas antigas e iluminar caminhos obscuros. Como pincéis nas mãos de um mestre pintor, as palavras podem criar paisagens de beleza indescritível na mente daqueles que as ouvem.

No entanto, assim como têm o poder de construir, as palavras também têm o poder de destruir. Uma única palavra lançada ao vento sem pensar pode causar estragos irreparáveis na vida de alguém, deixando cicatrizes profundas e perpetuando dor por gerações. O cuidado com o uso das palavras é essencial, pois o que é dito não pode ser facilmente desfeito.

O poder das palavras é tal que elas podem atravessar fronteiras, conectar culturas e unir corações distantes. Por meio das palavras, partilhamos histórias, conhecimento e experiências, encurtando as distâncias que nos separam e nutrindo a empatia que nos torna humanos.

Assim, ao reconhecer e honrar o poder das palavras, tornamo-nos não apenas mestres da nossa própria narrativa, mas também artesãos de um mundo mais compassivo, justo e belo. Cada palavra que escolhemos cuidadosamente representa uma oportunidade de construir pontes em vez de muros, de curar em vez de ferir, de amar em vez de odiar.

Que possamos, portanto, lembrar sempre o imenso poder que reside nas nossas palavras e usá-lo com sabedoria, gentileza e compaixão, espalhando luz e esperança por onde quer que passemos.

Blog Freixagosa