quinta-feira, 20 de agosto de 2020

AMIGOS DE ARGOSELO, DE VOLTA?

 

Existe um conjunto de pensamentos que parecem “perseguir-nos” ao longo do tempo e que, na prática, “nos acorrentam” pela mera necessidade de os cumprir. “O casamento é para a vida”, e “os amigos são para sempre” são dois grandes exemplos disso mesmo que, para além da teórica beleza que encerram, não passam de frases feitas que nos remetem ao sofrimento e à dificuldade em evoluir, em seguir a vida com mais naturalidade e liberdade.

Ter amigos é uma das melhores coisas da vida, mas com o passar do tempo, algumas experiências e por vários outros motivos, é possível que um amigo mude de ideia e o relacionamento acabe. Não é tão fácil perceber isso, é necessário prestar atenção em certos sinais para descobrir se esse é o caso. Se há algo errado, podemos tentar reverter a situação ou repensar se vale a pena lutar por essa amizade.

Todos sabem que, os colegas da primária, seguem o seu percurso à procura duma vida melhor, tal como os do secundário e os da universidade. São aquelas pessoas que gostamos de saber que estão bem, que seguiram o seu caminho, mas que dificilmente permanecem nas nossas vidas, pois se o fizessem, é porque seríamos todos “fingidos” uns com os outros!



Os Almoços Convívio dos Amigos de Argoselo, eram um bom tónico de aproximação à Amizade dos bons Amigos. Porque a Amizade tem sempre a capacidade de uma conversa poder ter um intervalo de dez ou quinze anos e, no reencontro, ser continuada de onde tinha parado. Estes Almoços convívio, eram um contributo fundamental para levarmos o nosso objetivo principal mais longe. Infelizmente acabaram há 12 anos, mas continua a mexer com os sentimentos de todos aqueles que participavam e se reuniam nesta iniciativa que pretendia realmente juntar amigos que muitas vezes só se encontravam nesta ocasião para recordar os velhos tempos.

Para recuperar estes Almoços Convívios, com baile cantadores locais e, acima de tudo, muita animação, era preciso que esta nova juventude que se dizem gostar tanto de Argoselo, tivessem eles a iniciativa através de uma das Associações existentes na Vila, que pretendesse devolver Argoselo e à população as tardes domingueiro de alegria e convívio entre gerações, recuperando hábitos culturais e reforçando laços sociais e níveis de participação. Ao contrário do que possa parecer, estes não são convívios para “velhos”, mas, sim, para todos aqueles que querem dançar, tocar um instrumento, representar uma tradição, socializar e, acima de tudo, divertir-se. 


Em Argoselo outrora viveram-se tardes domingueiro fantásticos, com muita diversão e convívio entre gerações, numa aldeia que, por norma, tinha domingos com muita gente e muita atividade. Era óptimo ver a alegria das pessoas, que dançavam até não poderem mais ao som de realejos, acordeão, rádio e até guitarra portuguesa do (Pisbilar). Nem era preciso o gira-discos, também não os havia.

Então porquê esperar esta nova juventude para se organizar como um grupo informal, e pretender integrar os cidadãos seniores ou pessoas inativas de modo a estimular a sua participação e (re)integração na sociedade e nas dinâmicas da Vila, reforçando o envelhecimento ativo e a autonomia dos seniores, bem como a elevação da sua autoestima e do seu sentimento de utilidade para os outros e para a sociedade, podendo até desenvolver atividades de transferência de conhecimento para os mais jovens e para a comunidade.


Façam da vossa inspiração, a força de vontade e sacrifício por uma vez em prol de uma comunidade… e não cada um só olhe para o seu umbigo.

A atitude de reclamar de tudo e de todos, como se alguma mudança devesse vir de fora é, em geral, muito confortável, mas não ajuda em nada. Que tal reflectirmos e mudarmos-mos nós mesmo?

Este ensinamento pode ser colocado em prática com (grandes) pequenas atitudes, que fazem a nossa vida ficar melhor.

Ilídio Bartolomeu


terça-feira, 11 de agosto de 2020

AS EIRAS E AS MALHADAS


A Eira é um espaço plano, de chão duro e de dimensões maiores ou menores, conforme a quantidade de cereal a trabalhar. A Eira podia ser um espaço fixo, em terra batida ou preparada em cada colheita perto ou junto às habitações. Outros careciam de alugar o espaço na Eira e esperar até que chegasse a sua vez.
Os cereais, depois de ceifados com a Foice eram feitos em molhos, ficavam nos próprios campos em Bornais (sirvo-me dos termos que o povo usa) ou então, iam logo para a Eira em carros de bois e mais tarde em tratores, e com o Forcado fazia-se as Medas esperando a hora até que a Malhadeira se colocasse ao lado delas para ser malhado. Ou então para serem trilhados ou batidos com o Malho para separar os grãos das espigas.
 A ação de malhar era feita durante o dia, ao sol e durante o calor, para a humidade ser menor e o grão saltar mais facilmente. Esta fase do trabalho da Eira era muito dura: o trabalho com o Malho exigia um esforço físico violento, era feito nas horas de maior calor e, as poeiras e a palha picavam e ardiam no corpo dos trabalhadores. 
Quando na Eira se trabalhava o trigo, usava-se o Trilho, que fazia a função do Malho, mas era puxado por animais, normalmente por Burros ou Mulas.
Depois de malhado, o grão ou as sementes eram volteados no ar com a Forquilha para separar com a ajuda do vento, as palhas mais leves. No chão, o Ancinho (Engaço) retirava as palhas mais pesadas e a Vassoura e o Rodo juntavam o grão ou as sementes em montes. 
Os grãos e sementes eram então passados, ou crivados, pelo Crivo, que tinha orifícios maiores ou menores conforme o tamanho do grão, para separar as impurezas mais finas. Quando estava limpo o “Pão”, era medido com o Medidor Alqueire e ensacado. 
Era um momento mais social, de convívio e transmissão de saberes entre as gerações. Partilhava-se a refeição, cantava-se cantigas era uma autêntica alegria.
Durante todo o Verão passam diversas colheitas pela Eira, nada se perde e tudo se aproveita: as palhas dos cereais serviam para renovar os colchões das camas, mas também para a alimentação e cama dos animais.
A Eira era um local de trabalho duro, mas também de partilha e de diversão. Os vizinhos e as famílias ajudavam-se uns aos outros, faziam refeições em conjunto e cantavam cantigas que ainda hoje se conhecem e cantam.
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Ó Rosinha! Ó Rosinha do meio,
Vem comigo malhar o centeio,
O centeio, o trigo e a cevada,
Oh! Rosinha, minha namorada!
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Atualmente, a Eira quase não é usada pelos agricultores, pois existem cada vez menos famílias de agricultores e a agricultura que existente já está muito mecanizada.
Conhece-se a Eira e a sua função pelas histórias que os mais velhos contam nas aldeias, e também por livros, fotografias e filmes. Alguns Museus, feiras e iniciativas ligadas à agricultura e à tradição.
Se não se registar e transmitir este saber, e se não se contar e recriar estas histórias, o conhecimento perde-se com a morte dos mais velhos e com a diminuição e mecanização da agricultura.
Ilídio Bartolomeu

domingo, 9 de agosto de 2020

A CEIFA E OS CEIFEIROS


Já escrevi umas quantas cronicas e embora não saiba quantas, sei que o tema ceifa e os ceifeiros, ainda não foi abordado. Claro que eu não sou entendido nesta área e vou apenas escrever as minhas lembranças de garoto quando o panorama se apresentava num princípio de que eu considerava maravilhoso.
A época de trabalho mais intenso é a que vai de meado de julho a meado de agosto. Todos trabalham de manhã até pela noite adiante. Todos, homens e mulheres, velhos ou mais novos, ninguém está ocioso. Nestes dias não há desempregados, ninguém pensa nas 8 horas de trabalho, privilégio das cidades e ainda bem, porque se os agricultores seguissem essas modernas utopias, perdiam-se grande parte das suas colheitas. O relógio deles é o sol. E os seus vigorosos braços é a força do trabalho.

No tempo antigo, por todo o lado, havia pão semeado. Ceifá-lo, exigia muita mão de obra. Juntavam-se ranchos que ceifavam cá e em terras de fora. Eram semanas de trabalho duro, mas também uma oportunidade para muitos poderem ganhar alguma coisa.
As ceifas eram executadas, conforme a dimensão das searas, por ranchos de trabalhadores, contratados para executar esse trabalho para um determinado proprietário.
No caso de searas menores, os ranchos eram formados em parceria que basicamente quer dizer: trabalho para ti e tu para mim a seguir.
Mas a maior parte dos casos os ranchos que iam fazer a ceifa para fora, organizavam-se para esse efeito, tinham direito a comida, bebida e alojamento precário é certo, a fornecer por parte do proprietário, com as consequentes reduções nos custos.
Estes ranchos eram formados por homens e mulheres, rapazes e raparigas em quantidade variável conforme as necessidades, e cada um deles fazia acompanhar-se dos respetivos instrumentos de trabalho, a foice, as dedeiras e o chapéu de palha. A foice, como o próprio nome indica, destinava-se a ceifar, isto é a cortar. As dedeiras, por norma de cabedal revestiam apenas dois dedos, aqueles que teriam mais probabilidade de virem a ser atingidos pela foice num momento de descuido ou de cansaço.

Cada trabalhador protegia-se do sol com chapéus de palha, seguros ao queixo por fitas ou elásticos e usavam às vezes, lenços ao pescoço. Estes lenços destinavam-se a limpar o suor que, com o avançar do dia e o trabalho, ia surgindo por todo o lado sendo mais visível principalmente na cara e no pescoço.
Os homens recebiam mais dinheiro que as mulheres e por norma executavam tarefas mais pesadas, embora por vezes também ceifassem.
É que, na ceifa é preciso ceifar, colocar em pequenos montinhos cada mão cheia que se corta, juntar depois os montinhos em montes maiores, e atá-los com o próprio centeio em molhos (Colmos). Depois são feitos pequenos montes  (Bornais) no próprio terreno a secar, enquanto não se faz a acarreja com os carros de bois ou mulas  (mais tarde com os tratores) para a eira (sirvo-me dos termos que o nosso povo usa).
Durante a ceifa os trabalhadores cantam cantigas populares, a que nós chamamos: cantigas da segada que acompanham o ritmo dos braços e que, a cada mão cheia de centeio ceifado se erguiem para a colocar ao lado, para de novo se baixarem para cortarem a próxima mão-cheia. Regra geral era no final ou começo de cada novo par de regos que os trabalhadores se hidratavam bebendo água ou menos frequentemente vinho. Na altura da ceifa o calor aperta e, água é melhor que o vinho.
Quando chegava a hora de almoço que coincidia com a altura do dia em que o calor era mais forte, almoçava-se à sombra de árvores que por norma sempre havia na zona das searas. O almoço era servido no local de trabalho e era por princípio constituído por carnes, enchidos e bacalhau.
Os trabalhadores, principalmente na minha infância comiam todos do mesmo recipiente que era colocado no chão, em cima de uma toalha que por sua vez era colocada em cima de uma manta de trapos embora cada um com uma colher ou um  garfo. Por regra comia-se com o garfo e na mão esquerda segurava-se uma fatia de pão.

Terminado o almoço, a que se chamava jantar, os trabalhadores descansavam algum tempo à sombra esticando-se no chão ou em cima da palha muitas vezes com o chapéu de palha a cobrir a face que, deitado o corpo ficava virada para cima. Não demorava muito tempo este intervalo do jantar mas por norma preenchia o tempo de mais calor.
De seguida, tudo voltava ao mesmo ritmo que da parte da manhã tinha sido iniciado, e que só terminaria quando o sol se pusesse. A meio da tarde ainda se parava para merendar, que consistia em comer algo de natureza mais seca: Pão com chouriço, presunto e queijo. Mas nesta refeição o tempo era relativamente curto e não havia descanso.
À noite, comia-se a ceia já em casa, e os trabalhadores iam dormir para descansar e recuperar forças para o dia seguinte.
Depois da noite, ainda antes do nascer do dia, matava-se o Bicho, a que agora se chama o pequeno-almoço e os trabalhadores dirigiam-se de novo às searas para continuar a tarefa que nos dias anteriores tinham iniciado e que não estava concluída.

Na verdade , a ceifa é trabalho algo árduo e duro. É preciso ter boa têmpera, estar habituado a suportar o calor de brasa que cai do céu para aguentar esse trabalho, essa luta heroica do homem com a terra.
Só quem ainda não viu na maior calma, os ceifeiros, homens e mulheres (que as mulheres também estão habituadas a estas duros trabalhos.
Hoje estes ritos quase não se usa, e os objetos apodrecem sob pena de nenhum ficar como relíquia de museu.

Ilídio Bartolomeu