sábado, 27 de setembro de 2014

DOIS PADRES...

Padre  Manuel
                                         

Quem eram, o que fizeram, como foram…

Ninguém é igual a ninguém!

Falar de uma pessoa com bons modos, é socialmente aceitável e respeitosa, demostra respeito, cuidado e consideração pelos outros. Seria injusto não falar de uma individualidade eclesiástica que de certo modo deixou as suas marcas na Freguesia de Argoselo, tanto pela positiva, como pela negativa.

O Padre Manuel, quando chegou a  Argoselo na década  50 encontrou uma gente acolhedora de coração e porta  aberta. Se ainda bem me lembro a Freguesia carecia de um Pároco e por isso as pessoas achavam a grande importância que o padre poderia trazer à comunidade, como de facto veio a acontecer. Assistimos assim a uma caminhada do Padre Manuel, verdadeiramente de grandes modificações em curso na vida religiosa e cultural na igreja; por um lado, ele não teve dificuldades em impor a sua autoridade e não hesitava no papel de líder espiritual. 

Padre Manuel

Perante tudo isto a população da aldeia sempre o recebia bem facilitando- lhe ação pastoral. O Povo nessa altura não tinha dúvidas que o Padre Manuel era muito interventivo quanto ao chamamento de cada vez mais paroquianos à igreja, como também era grande mobilizador da Juventude estimulando cada vez mais o rumo a seguir à Sociocultural do Povo.

Neste contexto o Padre Manuel formou dois grandes movimentos: a Ação Católica Geral e a Prejac. A Ação Católica Geral congregava adultos de ambos os sexos que se organizavam em departamentos específicos cada um com o objetivo de uma ação determinada. Já a Prejac congregava os mais jovens e tinha como objetivo promover o reforço dos laços de amizade e valores morais e cívicos para a iniciação de uma vida ativa no seio da comunidade católica.
Se trazermos à memória, nessa altura o Padre Manuel, traçou nove grandes objetivos que estabeleceu durante 10, 12 anos não mais, uma vivência religiosa o cultural que troce bons momentos à população, refiro-me a vários eventos, por exemplo: os teatros de rua, as comédias, andava com os jovens em retiros entre outras iniciativas culturais.

Padre Manuel

Foram estes duma maneira geral os objetivos:

 

·    Ajudar as pessoas na cultura, tempos livres;

·  Aumentar a solidariedade e melhorar a Ação Social da população;

·    Revalorizar as famílias;

·  Integrar e corresponsabilizar os jovens;

·  Promover iniciativas de desenvolvimento;

·  Iniciar os adolescentes nos princípios da Acão Católica;

·  Recuperar os valores ético-morais;

· Ajudar a transformar a paróquia em espaço de comunhão e    corresponsabilidade;

·  Fazer com que os fiéis assumam os seu direitos e cumpram os seus deveres;  Estas foram as nove diretrizes durante muito tempo, principalmente os primeiros 15 anos, o Padre Manuel foi realmente preponderante no desenvolvimento Sociocultural e recreativo em Argoselo. Desde então foi como um edifício se desmoronasse, e tudo se dissolveu no tempo. Praticamente a partir daqui, começou a desenhar-se algum afastamento da sua criatividade e por outras razões óbvias.Mesmo assim, admirado por uns e repudiado por outros: de um lado sendo atacado de radicalismo por quem não lhe reconhecia nenhum valor; de outro lado sendo exaltado com exagero por quem lhe conferia muitas qualidades.

Padre Conego João

De qualquer maneira pode-se dizer que o Padre Manuel até ao fim do seu apostolado em Argoselo foi um padre pró ativo, deu um importante contributo para a dignificação do centro cívico religioso e recreativo. Sem dúvida foi para Argoselo uma imagem que não deve ser apagada, deixou a sua marca, e não entendo porque até hoje os do lado que lhe conferiam tantos atributos ainda não foram capazes através duma simples homenagem, expressar-lhe um apreço de reconhecimento como fizeram ao Cónego João…

Quando da saída do Padre Manuel, o Cónego João assumiu a Paróquia, é verdade que a maioria da gente de Argoselo já o conhecia, porque ainda no tempo do Padre Manuel, já ia celebrar as Missas. Desde então quando a população soube que o Cónego João ia substitui-lo, depositaram muita espectativa nele, e receberam-no muito bem, como é prática do nosso Povo.

De princípio, o Cónego João, de certa forma também não teve grandes dificuldades em impor a sua autoridade e até alguma disciplina de rigor nas tradições religiosas, logo criou nas pessoas uma ideia, de que iria retomar o rumo do Padre Manuel, mas não foi isso na verdade…

Na realidade é que por iniciativa da Comissão Fabriqueira e do povo em geral, reclamavam obras urgentes na igreja paroquial. O Cónego João, mostrou-se recetivo, a Comissão Fabriqueira onde fazia parte o João “Carreché” membro muito ativo nesta iniciativa na reparação da igreja, fizeram um peditório pelo povo e noutros sítios do País, onde se encontravam Argoselenses.


Assim começaram as obras no ano de 1987, graças às ajudas da população, da Camara de Vimioso e Junta de Freguesia de então, todos colaboraram. A intervenção representou um relevante investimento na melhoria da principal Igreja da Freguesia e constitui um importante contributo para a sua dignificação. Lembro que a Igreja Paroquial já não sofria obras de grande envergadura desde o tempo do Prior Miranda Lopes. Para além do trabalho pastoral em Argoselo, o Cónego João tinha várias localidades por si paroquiadas. Também desenvolveu um trabalho muito relevante sócio caritativo através do Centro Social e Paroquial no apoio aos idosos, no Lar Nossa Senhora das Dores.

Altares

Costuma-se dizer: quando se começa bem, acaba mal… O Cónego João como toda a gente sabe, estava ligado à Catedral de Bragança e aos Cursilhos de Cristandade, sendo o seu Diretor Espiritual da Diocese, hoje não sei, o facto é que as dificuldades, tornaram-se muito evidentes da sua parte para conseguirem o consentimento e vontade para  qualquer iniciativa de caracter recreativa religiosa, ou recetividade para intervenções de pequenas obras nas capelas muitas vezes necessárias, sendo que a preferência dele, era que o dinheiro fosse encaminhado primeiro para acabar as obras da Sé Catedral de Bragança. Mas não só… acho que o Cónego João, lá com os seus bitaites disparados na assembleia dominical, atingiam um grau de dureza entristecedor, que só serviam mais para afastar as pessoas.  

De qualquer modo, também era repudiado por alguns por ser tão relutante, outros porque o admiravam muito, tanto que lhe chegaram a fazer uma homenagem manifestando estima carinho e gratidão.

 Lembro que eu nunca estive relacionado nem com o Padre Manuel, nem com o Cónego João, saí muito cedo de Argoselo e só praticamente assistia a uma ou duas missas deles por ano quando vinha de férias.  Não tenho dúvidas  que o Padre Manuel, foi mais Sociocultural Recreativo entre muitas iniciativas.

Era merecedor de uma homenagem.

 

Ilídio Bartolomeu









quinta-feira, 18 de setembro de 2014

MEMÓRIAS DO ÚLTIMO PELIQUEIRO DE ARGOSELO




Chamam peliqueiro àquele que prepara ou vende pelicas (peles, especialmente de cabrito, curtidas e preparadas). Chamam peliqueiros aos habitantes de Argozelo, localidade do concelho de Vimioso, no distrito de Bragança.

E diga-se, a bem da verdade, que justiça foi feita! Não tivesse sido aquela jovem vila, outrora aldeia, terra de peliqueiros: há cerca de 60 anos, eram mais de 350 os homens e rapazes de Argozelo que faziam da compra e venda de pelicas o seu ganha-pão. Mas, apesar de ter atraído centenas de pessoas, hoje, a atividade está praticamente extinta. E, em terra de peliqueiros, resta agora um. Mas de gema e com orgulho! Com ele guarda memórias de aventuras e desventuras, que recorda como se tivessem acontecido ontem. A ele, homem dos seus 72 anos, move-o ainda a vontade de não deixar que a atividade “morra”
Tinha Humberto Luís do Fundo 10 anos, “pouco mais ou menos”, quando decidiu seguir as pisadas do pai e se tornou peliqueiro. “Não era um negócio rentável, mas era o que havia”, justifica aos 72 anos. Ele com um “burrico”, o pai com uma mula, foi à procura de peles que percorreram, por atalhos, quilómetros e quilómetros, que os levavam às mais recônditas localidades dos concelhos de Bragança, Macedo de Cavaleiros e Mirandela. “Corríamos de aldeia em aldeia e torneávamos os povos. Procurávamos as peles, mas os pastores que as tinham também vinham ter connosco para acertarmos negócio”, conta. Na altura cada peliqueiro tinha as suas freguesias e os seus conhecimentos (pastores e cortadores e taberneiros). A “rota” era herdada de pais para filhos.
A procura das pelicas era feita todo o ano, fosse Verão ou Inverno. Mas era o Inverno rigoroso e as fortes chuvadas que mais receios causavam. Desde logo porque era necessário enfrentar um “grande obstáculo”: passar o rio Sabor. “Muitas vezes, a água quase que nos levava os animais. Um dia, à entrada do rio, o burro caiu e eu caí com ele, se não era o meu primo a água tinha-me levado”, conta.
Entre a partida de Argozelo, a “volta” às aldeias e o regresso à terra natal com as cargas de peles, passavam-se quatro dias. “Dormíamos por essas aldeias. Parávamos nas tabernas para comer e dormíamos nos palheiros que os taberneiros tinham”, recorda aquele que é hoje o último peliqueiro de Argozelo, acrescentando: “Eram tempos difíceis aqueles. Dinheiro não havia e as fomes eram como o dia”.
E, ligadas às dificuldades passadas, seguem-se outras recordações: “Eu comecei muito pobrezinho. Cheguei a ir a Vimioso a pé quatro vezes por semana. Ia com uma saca de peles às costas, com uns socos calçados e com um carolo [de pão] no bolso. Andava 40 quilómetros por dia e demorava cerca de três horas, tudo para ganhar duas coroas ou sete tostões. Não era nada, mas naquele tempo tudo valia a pena. Era trabalhar para comer”, justifica Humberto do Fundo, lembrando que, em Argozelo, só se fizeram quatro “fortunas” com as peles, que foram as dos negociantes que compravam aos que andavam por fora e que depois vendiam no Porto, Alcanena, entre outras localidades, para as fábricas de calçado, casacos, malas de senhoras. Quanto aos outros trezentos e tal, “nasceram pobres e pobres morreram”, comenta.atalhos encontrou trabalhos
Das inúmeras viagens que fez, das terras por onde passou, das gentes que conheceu e dos medos que enfrentou, Humberto do Fundo não se esquece. E quando lhe falam em recordações, as histórias são várias, mas há algumas que se sobrepõem. “Lembro-me bem de uma vez, tinha eu 25 anos, portanto estava casado há dois ou três, que vinha de mula desde Vimioso e, no meio do caminho, encontrei dois lobos... só os via a 10 metros. Era uma zona de pastores, mas na altura não estava lá ninguém. Vi-me sozinho e só pensava no que havia de fazer. Tirei duas ou três patas às peles e atirei-lhas, mas eles só cheiraram, mais nada. Depois... aquilo parece que foi a presença de Deus: eles retiraram do caminho, cada um para seu lado e deixaram-me passar sem se mexerem. Ao ir para casa só ia olhando para trás, para ver se me seguiam, e ia com bom medo, mas, graças a Deus, correu tudo bem”, conta Humberto do Fundo.
Como as memórias regressavam em força, o peliqueiro continua: “Outra vez, na ribeira de Pinelo, havia um pontão que ia coberto de água. Entrei para o lameiro em cima da mula para passar, mas chegámos à entrada do ribeiro e ela não passou. Qual não é o meu espanto quando no dia seguinte, quando a água tinha baixado, vi que a ribeira tinha um buraco com cerca de 1,5 metros de profundidade. Eu ali chorei e ainda hoje choro quando passo lá, porque podia ter sido a minha infelicidade. Se a mula avançava lá tinha ficado eu e a mula presos naquele buraco”, lembra, visivelmente emocionado.
Mas são também as dificuldades de outrora que muito orgulho lhe dão hoje: por ter conseguido lutar e vencer “nesta vida”. A vender peles sustentou uma família e a vender peles moldou o carácter: seguro de si e sem medo do trabalho.

25 de Abril revoluciona atividade

Os peliqueiros mantiveram-se com força na atividade até ao 25 de Abril de 74. Dada a revolução, muitos foram os jovens que emigraram. Naquela aldeia transmontana, tal como aconteceu em muitas outras, ficaram os mais velhos. Depois, esses foram morrendo e a atividade foi-se perdendo. Atualmente há um peliqueiro em Mirandela, outro no Porto, outro em Carviçais, outro em Macedo de Cavaleiros e o de Argozelo.
Mas, com a ida de alguns peliqueiros, mais espaço ficou para outros. “Deixámos de ser tantos e começámos a trabalhar mais à vontade. As coisas evoluíram e aí já se começou a ganhar mais algumas coroas”, observa Humberto do Fundo, acrescentando: “Depois de se deixarem os burros, ainda comprei uma motorizada de três rodas e depois comecei com as carrinhas, hoje posso dizer que já tive à volta de 10 ou 15 carros”, comenta.
Humberto do Fundo diz que foi a vontade de “querer subir” que o levou a comprar mais peles e a “meter-se” nos matadouros de Vimioso e de Miranda.
No entanto, depois da ascensão, teme-se que a atividade entre em decadência. O sucessivo encerramento de fábricas do país está a preocupar os peliqueiros. “Se o negócio das peles assim continua, está-me a parecer que desaparece. As fábricas estão a fechar e alguns comerciantes vão comprar para o estrangeiro mais barato”, alerta o último peliqueiro de Argozelo, comentando: “O meu filho está interessado em seguir o negócio, mas já me disse que assim terá que se deixar. A coisa está em crise. Se hoje a pele vale dois euros, amanhã só nos pagam um. Assim não dá para se aguentar”. Mais uma vez a crise... Triste sina para a atividade e triste antevisão para Humberto do Fundo, que confessa: “O que mais me custava era que o negócio morresse nas minhas mãos”.



Jornal Nordeste

sábado, 13 de setembro de 2014

REVISTA Á ARGOSELENSE NO BAIRRO DE BAIXO 25-8-2014

         
 Para comemorar os três anos de Festas no Bairro de Baixo, Domingos Ferreira apresentou uma revista à Argoselense para homenagear os “Peliqueiros”. Um grandioso espetáculo que revisitou o humor e a arte dos seus antepassados. Contando com um texto de sua autoria e figurinos do mesmo. Em palco estiveram outros atores para além dele, do mesmo gabarito: Ana Gloria Ferreira, Nádia Ferreira, Domingos António Ferreira, e Tánia China. Para além do grande bailarico que proporcionaram todos os assistentes durante muitas horas de puro entretenimento.  



           

POESIA AO BAIRRO DE BAIXO - ARGOSELO 25-8- 2014


Versos declamados por:-- Domingos ferreira




Bairro de Baixo,
Bairro de Baixo,
És um Bairro tão belo
És um Bairro lindo,
Não fosses tu de Argozelo.

És um Bairro tão querido,
Por toda a gente que aqui nasceu
Com as tuas casas velhas,
És de todo não és só meu!

És um Bairro lindo,
És um Bairro tão belo
Que só tu,
És metade de Argozelo.

Tens a fonte de um lado,
E a cruz no sagrado
Tens uns largos bonitos,
Nem S. José quis ficar de lado.


Assististe a grandes negócios,
Dos nossos grandes peleiros
Uns grandes negociantes,
E outros eram mineiros.

Nos meses de Verão,
Vestes-te com cores de magia
À espera dos teus emigrantes
Ficas com mais alegria.

O nosso Bairro de Baixo,
É o mais bonito que há.
Quanto mais velho é,
Mais bonito ele está.

Bairro de Baixo,
Bairro de Baixo,
Foste refúgio de muita gente
Uns que muito trabalhavam,
E outra que estava doente.


Também tens o teu brazão,
Que bonito que ele está!
Tem as peles,
E a fonte que ainda cá está!

A tua bandeira são as peles,
O mastro a tua gente,
Quando se fala em ti,
Ninguém fica indiferente.

Muita gente que aqui se criou,
Cada casa uns dez,
Uns dormiam à cabeceira,
E outros aos pés.

Ficas ao fundo da Vila
E a rua sempre a descer,
Quando saímos de cá,
Já estamos com vontade de te ver.


Do sagrado avista-se o recosto,
Para baixo o ferradal
Era para onde íamos à lenha
Que chegávamos cá bem mal.

Tem muitas ruas
Que aqui vêm dar.
Pelo prado ou praça,
Todas vêm cá dar.

Tempos que já lá vão,
Punham-se as peles a secar.
Penduravam-se bem altas,
Para o cão lá não chegar.

Rapazes novos
Que trabalhavam na mina
Quando chegavam a casa,
Tinham de ir à canina.


Quando se tratavam das peles,
Eram com muita alegria
Também com alguma fome,
Que a fartura não havia.

Acabo aqui
Estes meus pequenos versos,
Fiz em pouco tempo
E com muito prazer,
Hoje e num ano,
que nos voltaremos a ver!



        Escritos por:
Domingos Carvalho Ferreira,

       Agosto 2014

TEXTO QUE DÁ ORIGEM AO TEATRO NO BAIRRO DE BAIXO- ARGOSELO 2014

                   PEÇA  TEATRAL
Gargalhada de principio ao fim, vale apena ler...

 Numa Vila em Trás dos Montes, com o nome de Argozelo, uma terra de negócios e de grandes negociantes.
Aproximadamente de 95% dos negociantes de Argozelo eram oriundos do Bairro de Baixo.
No Bairro de Cima mais propriamente da praça para cima, eram maioritariamente grandes agricultores.
Falemos agora dos comerciantes, os verdadeiros peleiros, enquanto criança foi com eles que eu mais me relacionei e que ainda hoje os tenho na lembrança…
Quando o tempo estava desagradável o que não permitia as fazer suas saídas era quando se juntavam e tinham as suas conversas.
Já quando estava bom tempo, ai já ninguém os parava! Corriam todo o Nordeste Transmontano de quintas a aldeias de vilas a cidades corriam de porta em porta numa grande correria.
Estes peleiros negociavam todo o tipo de peles como por exemplo de ovelha, cordeiro, vitela, raposa, coelho e até lobos e cães, incluindo ferro velho, carniçoilo e lã etc.,.
Estes negociantes eram muito destemidos, também compravam animais vivos pelo preço das peles para lhe aproveitar mais alguma coisa, era o caso das vacas- as patas, os boços as tripas para assim fazerem os seus fumeiros. As suas esposas já estavam à espera que assim acontecesse e também se tornava numa grande alegria para toda a família e vizinhança.
Nesta comunidade de peleiros, haviam uns mais espertos do que outros, mais rápido chegava ao local com um burro velho do que um esperto com um bom macho pois este era o meio de transporte destes grandes comerciantes.
Todos começaram muito novos alguns não sabiam ler nem escrever mas faziam contas como o melhor professor, aprenderam só com uma lição chamava-se – A VIDA.
Normalmente começavam com um burro velho a cair, depois iam comprando as suas bestas conforme corresse o negócio. Alguns nem este burro velho conseguiam manter, outros chegaram a ter cavalos. O animal era a maneira de mostrar como corria o negócio e a sua vida.
Estes homens faziam grandes sacrifícios, uns grandes guerreiros da vida saiam de noite à chuva e ao frio com gelo e neve, também com muita fome e pouca roupa.


Faziam muitos quilómetros sem saber o que lhes esperava e muitas vezes sem destino.
Quando chegavam, uns traziam risos, outros choros, conforme corriam os negócios. Quando corria bem, era o maior cantava de alegria, quando corria mal já ninguém o via.
No regresso a casa, enquanto os filhos e a mulher descarregava a carga, ele ia já à procura de comprador para a sua carga, vestia umas calças e uma camisa mais ou menos lavada e já perfumada com o cheiro da mesma que acabou de despir. Nos sapatos até não eram muito esquisitos, podiam até ser os mesmos pingados de sangue mas não foi da carne do almoço, foi do cão de acabou de esfolar na oliveira, que ainda lá tinha a corda do último.
Logo ao chegar à praça, o compadre perguntou-lhe:

(Compadre) - Tão viesteis de fora? … - Ou tivestes a matar alguma vaca chouriceira?

(Peleiro1) - Não compadre! Estive a esfolar um cão! -  Vamos masé mudar de conversa, e venha masé comigo até lá baixo… - Quereis comprar alguma coisa, que acabei de chegar de fora?...

(Compadre) -Vós nunca me vendeis nada! Sois muito careiro!!!.
..
(Peleiro1) - Seu Car***** tu é que não me mandas o valor justo!!! -  Queres as coisas dadas… - Vem comigo que trouxe boa carga e matas lá o bicho!

Quando chegaram a casa, o peleiro logo gritou à sua mulher:


(Peleiro1) - Óh rapariga, trás lá água-ardente e dois figos que está aqui o compadre!..

(Esposa) - Os figos acabaram e a água-ardente está mesmo no fim! - Tu trouxeste alguma coisa de fora?.
.
(Peleiro1) - Está aí um saco com nozes!

(Compadre) - Se te fudes** tu e às nozes!  - Umas têm bicho, outras estão podres!...

(Peleiro1) - Não me digueis ?.. Que aquele corno me enganou?!.. - Já me deixei enganar!..

(Esposa) - Não vos atrapalheis aqui não falta de comer! - Ainda tenho aqui um boche e uma chacina!

(Compadre) - Não há problema, já lá em minha casa os cabrões dos ratos, atacam tudo, até o pão que está no caixão!

No entanto lá se comeu o que havia…. Entretanto lá chegou um vizinho, também ele peleiro, cheirou-lhe a negócio…

(Peleiro1) - Bem vamos masé a negócios!... - Tenho 10 peles de ovelha, 4 cordeiros e 2 vitelas!


(Compadre) - Estão secas? Ou verdes?

(Peleiro1) - Estão como as véis! - Quanto dás por todas?

(Compadre) - Bem, já que matei o bicho, como compadre… Dou-vos uma nota e meia!

(Peleiro1) - Uma nota e meia? … - Tendes de me dar mais!... As peles são boas e bonitas e não têm buracos!...

(Compadre) - Realmente as peles estão bem esfoladas…. - Dou-vos duas notas!

(Peleiro1) - Tendes de me dar duas e meia!

(Compadre) - Não vos dou nem mais um testão!

(Peleiro1) - Não vos la vendo! - E já me fudesteis o mata-bicho!....

O compadre logo se foi embora sem negócio. O tal vizinho que tinha aparecido quando comiam era o Barreira, que logo se infiltrou…

(Barreira) - Então não fizesteis negócio?.


(Peleiro1) - Não Barreira! - Ele quis foi matar o bicho bem matado… queria as peles dadas!….

(Barreira) - Mostra lá as peles!... - Elas não são más… - Esta já tem aqui um buraco, e as peles de cordeiro já se estão a pelar.. - Mas dou-te uma nota e meia!...

(Peleiro1) - Olha leva-as, são tuas!... - Eu não tenho sorte no negócio! - Não bouto a mão a mais uma pele!...

(Barreira) - Mas tens que me arranjar umas nozes para os rapazes, e aquela roda de charrua para fazerem um carro para irem à canina!

(Peleiro1) - Leva também o burro e a mulher! Eles são velhos mas fazem-me falta!
O Barreira logo carregou a carga para cima da mota.
A sua esposa Aurora, logo agarrou nas ovelhas para as pôr ao sol, as de cordeiro foram para salgar, as de vaca carregou-as o filho mais velho para as levar para os plames, porque os mais novos já andavam à canina para colocarem tudo nos poços. Já que o Barreira tinha falado com o compadre “Bitoubo”.

O Barreira já as tinha prometido à sua mulher que estas peles seriam para a sua casa embelezar. Mas entretanto apareceu o “Suíças” que as duas peles de vaca lhe rendiam para pagar a carga que tinha comprado. As peles de ovelha, foram vendidas ao “Manino” que por ali passava uma vez por mês vindo este do Porto, também ele natural da vila de Argozelo.
Quando chegava o “Espanhol”, que era o “Sr. Benigno” já só apanhava as peles de coelho e pouco mais. No entanto já tinha chegado mais um peleiro com o ferro velho e lã. O Ferro velho já vinha com o destino de ser vendido ao “ Tio Limpa”, a lã fica à espera do “Francisco da Campela” que por todos era bem conhecido e respeitado.


Estes quatro últimos Homens que referi, já eram considerados os peleiros ricos pois já possuíam outro meio de transporte. Mas quem tinham o puder e eram considerados os reis dos peleiros eram o “Tio Bertaldo” e o “Sr. Fernando do Guxinha”. Mas quem mais sofria eram os pequenos peleiros que eram os que menos ganhavam.

Muitos deles faziam muitos quilómetros e começaram a ficar por la, acabando por levar o resto da família consigo e ficando a residir por todo o distrito, nas aldeias, vilas e cidades, mas nunca abandonando as suas raízes e continuando as suas atividades de Peleiros, passado assim a irem à sua vila de Argozelo nomeadamente ao dia 24 de Agosto um dia muito especial, onde é celebrado o dia de S. Bartolomeu, pois era o dia que todos se juntavam e conviviam onde o assunto principal era os seus negócios, onde cada um tinha a sua história para contar todas as aventuras de todo o ano que tinham passado, umas tristes, outras grandes alegrias também dos maus e bons negócios que tinham feito e que estavam para realizar.
Mas aí já havia outros que estavam com os ouvidos à alerta para saber onde estavam os negócios porque já no dia seguinte era dia de albardar as bestas e voltar para mais uma aventura, pois era nesta altura do ano que o negócio mais abundava e não havia tempo a perder.
Estes negociantes além das suas dificuldades faziam-se sempre acompanhar com algum dinheiro mas muitas das vezes também faziam algumas trocas, como por exemplo; esfolar os animais em troca de uma pele e trabalhavam na agricultura para ter onde pernoitar e também assim se alimentarem.
Eram todos muito sérios, por vezes ficavam em casa de pessoas que não conheciam, onde ganhavam alguma confiança ao longo do tempo, onde alguns já eram como família.
Havia um ou outro que abusava das pessoas, mas só assim acontecia quando o proprietário se esquecia das chaves da adega.
Quando chegavam de fora, não se sabia quem trazia mais fome… se era a besta ou o dono?
Esta rotina de vida de Peleiro era o seu meio de sobrevivência do nosso Bairro que ali nos criamos, a fome não era muita, mas a fartura também não era muita…
Como era um meio de vida muito difícil, os filhos destes homens começaram a emigrar também com muitas dificuldades e com muitas saudades desta rotina que ainda hoje reconhecem que foram peleiros com muita honra.


Os talhos eram para os ricos; as galinhas para os doentes.
Os rapazes as dores de dentes eram constantes, porque eram provocadas por comer o pão duro e furado pelos ratos, ainda assim de vez em quando comiam um bocado de toucinho ou uma alheira, porque os ratos já não conseguiam roer o fio dos chouriços.
De agricultura percebiam pouco, e o interesse também não era muito porque o cheiro às peles era mais forte.
Queriam chegar a casa e ter a sua refeição na mesa, mas largar o dinheiro para comprar coisas, não era com eles…
A maioria de toda essa Boa gente já partiu, não houve nenhum que levasse o burro ou as peles, mas quem sabe um dia se voltam com uma boa carga, mas com tanta concorrência por lá, não haverá de dar uma pele para cada um!




Narrador:            Ana Glória Luís  Ferreira

Peleiro 1             (vendedor das pele): Nádia Ferreira

Peleiro 2             ( Peleiro que não quis comprar as peles): Domingos António Luís Ferreira

Barreira:               Domingos Carvalho Ferreira


Mulher do Peleiro 1 : Tânia China






Vamos agora nomear alguns desses nomes e nomeadas desses comerciantes valentões, que faziam negócios só com alguns testões…





Barreira,
Barão,
Bufo
e Mandrião.

Chico da Campela,
Galino,
Maloio
e Toninho.

José Cepeda,
Meia Arroba,
Pêgé,
e Namora.

Milano,
Puté,
Peito de Cortiça
e Zé Néché. 

Rolinha,
Paco,
Santiago
e Riscado.

Penhas,
Pocata,
Redodndo
e Patarata.

Guelfo,
Batita,
Mama
e Limpa.

Sara,
Preto da Africa,
Pedrés
e Canana.

Zé do Mano,
Estuarda,
Pai-Ruim
e Fará. 

Alcino da Camboia,
Matias,
Chaves
e Suiças.

Chourrik,
Tio Gaiato,
Chézourro
e Malato.

Toucinho,
Palhuca,
Zé- Maria
e Mucha.

Zé da Cnocha,
Pesado,
Sençano
e taralho.

Questára,
Pinetche,
Pantomina
e Manéche.


Larau,
Luís Cepeda,
Platera
e Gago do Chena.

França,
Matias,
Vinte e Nove
e Zé Valente.

Chico Reis,
Chorão,
Ciências
e Bolão.

Cavalico,
Danado,
Cantil
e Flávio.

Galino,
Batoco,
Saranco
e António Moco.


Ferando do Guchinha,
Bertaldo,
Prim
e Zoio.

Galucho,
Lhalhão,
Xoila
e Calmeirão.





           Escrito por

 Domingos Carvalho Ferreira

           18/2/2014