quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

AS MELHORES MEMÓRIAS DA MINHA INFANCIA !...


Venho pensado muito na minha infância, não com saudade ou saudosismo e nem com desejo que tudo tivesse sido diferente. Apenas tenho pensado. Pensado talvez para resgatar as lembranças da criança que fui, que pude ser, que me deixaram ser. Tenho- me esforçado para lembrar pequenos momentos que podem ter definido a personalidade, os traumas, a visão de mundo e até o jeito que hoje lido com a felicidade e com os momentos de frustração.

Alguns dias atrás, em conversa com amigos, abordávamos os lugares da nossa infância, fiquei com a ideia que a pó do tempo tinha acabado por apagar quase tudo. Inconformado, tomei a coragem de percorrer em pensamento, os lugares e caminhos por onde a minha infância se tinha passado, na esperança de me reavivar aquele tempo…

A essência dos lugares, lá estão. Tudo o resto é um outro mundo que já nada me diz, nada tem a ver comigo. Faltam as pessoas, aquelas pessoas, para que tudo aquilo faça algum sentido. A oportunidade da passagem pelos lugares incitava-me à memória. Mas a memória agora prega-nos partidas. Hoje a minha infância, apenas guardo recordações dispersas, divididas faltando-lhes o fluir dos dias. Tudo me parece já tão longínquo tão distante! As gavetas da memória, outrora tão arrumadas desapareceram com o tempo. Apenas sobraram pequenas impressões sem nexo, desencontradas umas das outras. Era este todo o meu mundo que me rodeava, moldado com palha, água e terra que decorriam as minhas brincadeiras, feitas de diabruras que pregávamos uns aos outros. 

RUA PADRE CRUZ

Eram os jogos de rua: da bilharda, à bucha-Nova, do arco, do cântaro, do bilro, do berlinde, à bola de trapos, às escondidas, o comer a sopa de cebola e batata, o “mata bicho” o roubar o açúcar do armário, o ver fazer os cigarros ao meu pai, o mês de maio, mês de Maria, as idas ao terço à noite da minha mãe, o ir à rebusca das espigas, da azeitona, o nascimento da minha irmã mais nova, o caldo de galinha, as batatas com bacalhau cozido ou à espanholada, alegria e o rebuliço do fazer os fritos e doces no Natal, a alegria da caixa mágica a preto e branco, na taberna do sr.. Carlos e da sra. Antónia xu xu, os dias de inverno na alfaiataria do meu pai à braseira a ver fazer as calças e fatos, a catequese e catequistas, brincar no adro da igreja ao pião, as trovoadas de Verão e eu cheio de medo, enquanto a minha mãe orava aquela oração a Santa Bárbara, ir a regar a horta com o meu tio Porfírio. Já procurei muitas palavras para qualificar um tio. Até hoje nenhum me soou mais apropriado do que “tesouro”. Este meu tio Porfírio, era um pouco pai, um pouco avó, um pouco irmão e um bom amigo. Ter um tio como este é a eterna tentativa de ser absolutamente tudo para alguém. Cuidava de mim como pai, mimava como avó. Era assim este meu tio. Também neste tempo começava a época das frutas, ia às maçãs, às cerejas, uvas e aos figos. Enfim…

Como de verão a água na aldeia era pouca, o tanque público era pequeno para tanta gente e a água era também pouca, as mulheres, não tendo onde lavar a roupa, às vezes, juntavam-se cinco ou seis vizinhas em direção às ribeiras. Eram tardes de verão maravilhosas passadas no fradal, no ribeiro dos inverniços e no rio maçãs.

De manhã, antes do romper da aurora, levantavam-se para fazer a merenda e ao nascer do sol, lá iam elas, com a sua roupa suja em cima dos burros, algumas acompanhadas dos seus filhos mais pequenos. Não lhes largávamos a roda das saias. Mas alguns mais ousados, organizávamos correrias para ver aquele que chegava lá primeiro. Só visto! 


IGREJA MATRIZ

Era uma autêntica alegria. E, no meio disto as nossas mães gritando: ó António, ó Ilídio, anda cá meu filho! Não corras tanto que o caminho é muito ao fundo e podes partir a cabeça e as pernas! Anda cá, ouviste? Ó alma danada! Onde ele já vai, olhem só, que correria! Este rapaz mete a minha alma no inferno. E a ladainha continuava, continuava… quanto mais falavam mais vontade tínhamos de andar. E, cansados arfando, chegávamos ao ribeiro. Deitávamos sobre as ervas verdes na margem, e nelas nos rebolávamos e revirávamos. Eram o nosso doce leito.

Estávamos no rio…. Era uma festa, de gritos e pulos. Só então, muito depois, ao fundo da curva de um carreiro é que elas apareciam de bacias à cabeça e mãos à cintura, caminhavam apressadas tagarelando umas com as outras, bem-dispostas para um dia árduo de trabalho à hora do calor. Como relatar este doce prazer de ver as nossas mães contentes, todas suadas pelo calor e pelo esforço de esfregar a roupa, conversando animadamente umas com as outras? E quando cantavam? Que vozes que elas tinham! Foram poucas ou quase nenhumas as canções que me ficaram na memória, mas, passados que são tantos anos ainda não encontrei paz de alma e deslumbramento semelhantes, como quando sentado todo nu em cima duma pedra lavada pelas águas de inverno, sentia ao escutá-las. Eram vozes finas melodiosas que cantavam coisas da terra, do trabalho dos seus homens, os seus amores, ciúmes, ódios… Como tudo isto era belo!

 Não havia prazer mais delicioso… Depois desta pausa ia a ter com os outros que andavam a brincar. Então era vê-los!... Correndo uns atrás dos outros, percorríamos a zona toda, descalços. E neste frenesim delirante, cansado e exausto, vinha-me sentar ao pé de minha mãe. Ela, ao ver-me assim tão suado e com a cara em brasa, dizia-me: 

ANTIGA ESCOLA HOJE POSTO DA G.N.R.


Ah! meu patife, amanhã é que vai ser lindo, depois eu é que tenho de te aturar, meu malandro. Aí se me apanhas uma pneumonia que te mato. Mas não ligava ao que ela dizia. Deixava-a falar, falar… E, muito meigamente, já mais calmo e menos suado, dizia-lhe: Tenho fome, mãe, dê-me pão! Não, daqui a nada vamos comer. Deixa-te estar aqui quietinho ao pé de mim, só falta acabar de lavar as calças do teu irmão.

E, assim, lavada toda a roupa, sentados na erva, à volta das toalhas estendidas no chão só se viam rostos a escorrer suor, rubros, queimados pelo sol comendo sofregamente, com prazer.  Mas, depois da barriga cheia, ó pernas para que te quero! Brincávamos com tudo quanto encontrássemos e nos viesse à cabeça. Mas, o nosso jogo preferido, era o jogo das escondidas, realmente cada qual procurava o sítio mais disparatado para se esconder. Os meus preferidos eram as rochas. Pequeno e arisco, de olhar trocista e malandro, corria que só visto, quase nunca davam por mim.

Cansado de tanto correr longe delas, deitava-me à água, mas, como não sabia nadar mergulhava as pernas e a cabeça refrescando-me, mas como estávamos longe das nossas mães tínhamos medo de que nos batessem. Mas não, elas não nos batiam! Já tinham lavado e enxugado a roupa, e tomaram banho aproveitando-se da nossa ausência. Uma vez enxutas, davam-nos o lanche, metiam tudo dentro das bacias e das cestas das merendas e assim iniciávamos a nossa viagem de regresso a casa. 

RIO MAÇÃS


Estava terminado mais um dia passado no rio. O sol já se começava a pôr. A nossa alegria ainda permanecia. Mas o que se sentia mais nesses momentos, era pena de o dia ter corrido tão depressa. E tristonhos por termos de subir aquela encosta tão íngreme, quando estávamos tão cansados e exaustos, era bem um autêntico calvário. As pobres das nossas mães coitadas, estafadas ainda tinham de nos arrastar: a uns pelas mãos, a outros dizendo-lhes que se agarrassem às saias, ora repousando aqui, ora descansando acolá, chegávamos finalmente a casa. Comíamos uma sopa de couves com um carolo de pão e depois, cama. Dormia como um anjo, dizia minha mãe.

Atualmente alguns jogos/brincadeiras da minha infância estão esquecidos e estagnados no tempo, pois a tecnologia acabou por interferir um pouco nesse esquecimento e claro as próprias pessoas também fazem por isso. Andamos tão focados no trabalho e na rotina, que só queremos algum descanso e acabamos por não ter paciência ou tempo para brincar com os mais pequenos. Nos dias de hoje, não sei se na escola ainda fazem algumas brincadeiras das que vou referir, tais como o jogo da macaca e o jogo das cruzes, enfim…

No verão vinham as festas, mais adolescente adorava saltar à corda, uma brincadeira tão simples que na minha visão achava divertido. Havia tantas brincadeiras e bem mais saudáveis que um ipad, telemóvel ou computador que realmente olhando para os tempos de agora, parece tudo muito superficial e fictício. Inventaram aplicações e jogos online para tudo, mas nada fará mudar o que em tempos eu valorizei imenso. 

RIBEIRO DA ESPADANA


O convívio com os amigos e brincadeiras divertidas em que o nosso tempo era ocupado com sorrisos, gargalhadas e muitas histórias por contar. Por meio do jogo, abarcava o mundo à minha volta, aprendia regras, legava habilidades físicas como: correr, pular, aprender a ganhar e a perder. O brincar também desenvolvia a aprendizagem da linguagem e a habilidade motora.

As brincadeiras adequavam-se à minha conceção, brincava por necessidade e era fundamental ao meu desenvolvimento com o uso da imaginação em ação. O brincar desempenhava um papel importante na socialização com os demais, permitindo-nos aprender a partilhar, cooperar, comunicar e a relacionar fazendo prosperar o respeito pelo outro bem a autoestima, tudo resumido aprender brincando.

Na interação, os adultos sempre tinham ensejo de nos ajudar na elaboração das inquietações que surgiam durante a brincadeira, bem como enriquecer e estimular a nossa imaginação, despertando-nos ideias e questionando-nos para descoberta de soluções. Usando apenas a imaginação, eu conseguia resolver os mais variados tipos de situações. Nunca tive brinquedos, eu inventava os meus próprios, com carrinhos de linhas, tábuas, arame e cordel. Bastava uma pedrinha para o mundo se transformar. É bom recordar e reviver o que em tempos já nos fez feliz :)

Ao longo destes anos, cada qual procurou uma vida melhor. Uns emigraram e outros estão espalhados por todo o País, mas essa amizade pura e desinteressada ainda se mantém, com aqueles que mantenho contacto. Como esse tempo me fascinou! Nem só de histórias lindas vivi a minha infância. Passei muito tempo da minha vida elevando e lamentando as faltas e chorando as ausências. 

O BURRO A PASTAR


Por isso, estou resgatando tudo de bom que tive para me abraçar e me perdoar hoje, ser feliz hoje, agradecer o hoje, e como crianças costumam fazer, viver o hoje.

Com o passar do tempo, percebi que a vida de cada um acabou tomando um rumo diferente. Rumo que o próprio destino se encarregou de traçar. O cotidiano foi e é sempre a luta pela sobrevivência. Trabalhar e se ocupar, preocupar-se com o futuro. Então aqueles amigos que fiz durante a infância, aos poucos foram se distanciando... E cada vez mais, até que nunca mais os vi com a mesma frequência de antigamente.

Hoje tudo é tão estranho. Nunca me imaginei adulto! Quer dizer, sempre imaginei, mas não achava que me tornaria tão rápido. Vejo que alguns daqueles velhos amigos e colegas são, pais de família. Aqueles que na época eu jurava que nunca teriam jeito por serem tão bagunceiros, hoje tem ótimos empregos e vivem bem. Aqueles que eram os mais tímidos e certinhos, que defendiam sempre o ponto de vista pessoal, hoje são pais de um ou mais filhos.

Posso ser triste ou celebrar ao contar a minha história. É uma tese de perspetiva. Sempre olhei para as dificuldades como uma oportunidade de conseguir ou tornar algo melhor. Descobri cedo demais o poder de usar a nossa imaginação para transformar realidades. Lembro até hoje que toda a vez que sentia fome ou medo, criava uma história na minha cabeça sobre como seria uma realidade diferente. Vivia sonhando com o que não tinha e pensando no que precisaria fazer para ter.


MENINOS DO BAIRRO DE BAIXO

Hoje, disto tudo o que resta destas memórias, para além de algumas vezes de barriga cheia, é claro e destas histórias para contar aos filhos e aos netos, se bem que estes últimos tenham tido dificuldades em acreditar, visto que nada lhes falta e não conhecem as consequências da palavra miséria, ou se calhar, nem a própria palavra fome…

A infância é o período no qual edificamos as bases que sustentarão tudo o que virá depois. É também um período mágico, onde o brincar e a imaginação constroem memórias afetivas cheias de significado que irão perdurar por toda a existência.

Engana-se quem pensa que o começo da vida é uma etapa que fica para trás depois que somos adultos. É um ciclo vivo, que volta e se renova. Ecos da criança que fomos continuam a repercutir dentro de nós no decorrer da vida...

Ilídio Bartolomeu

30-11-2019



sábado, 5 de dezembro de 2020

FALAR DO NATAL!...


 

O Natal é uma data em que comemoramos o nascimento de Jesus Cristo. Na antiguidade, o Natal era comemorado em várias datas diferentes, pois não se sabia com exatidão a data do nascimento de Jesus. Foi somente no século IV que o 25 de dezembro foi estabelecido como data oficial de comemoração.

Portugal é um país de tradições e costumes bem enraizados na cultura do país. A época natalícia não é exceção e há inúmeros rituais que se mantêm bem vivos ano após ano. Há tradições que se repetem de norte a sul do país, como o presépio, a árvore enfeitada e o pai Natal,

Nesta época as cozinhas enchem-se de aromas e sabores. Por Trás-os-Montes, onde as receitas têm como principais ingredientes o polvo, o bacalhau, couve e raba. As sobremesas são filhós, rabanadas e aletria.

Feita a ceia de consoada, o espírito não acaba por aqui. Numas casas ouvem-se músicas de Natal e desembrulham-se as prendas e noutras não há grandes tradições a seguir à risca.

Para falar do Natal, não existem segredos, basta olhar para dentro de nós mesmos. No Natal, estamos propícios a amar mais, ter mais carinhos, ser mais solidários. É o que nos envolve, este Espírito Natalino. Mas vejamos o mundo num foco mais nítido,  isso ocorre somente nesta época do ano. O nascimento de Jesus Cristo tem o poder de causar essa transformação em nós. Época em que surgem milhares de voluntários, pessoas fazendo os seus donativos, pessoas abraçando-se, trocando calor humano com os seus entes queridos. Eu vejo muita gente engrandecer diante desse espírito, mas eu somente tenho a perguntar: Por que?
Porque essas coisas só ocorrem no mês de Dezembro? Será um mês sagrado? Será que é tão difícil sermos assim o ano inteiro? Todos os dias de nossas vidas, nós devemos amar uns aos outros, respeitar uns aos outros, sermos solidários. O mundo não funciona somente no Natal, as crianças, os necessitados não carecem de carinho apenas no Natal, pessoas que necessitam, não passam fome, não sentem frio apenas no Natal. 

Em 2020, tudo começou  a ir mal, em março, adormecidos não previmos o vírus chegar. Dizimou muita gente, pessoas que tinham uma perspetiva de vida longa, planos, anseios, viagens, bares, cafés, restaurantes fechados e todas as atividades restringidas. “Estamos dentro de uma guerra. A palavra pode ser essa: guerra pela sobrevivência".

Os dias vão-se arrastando lentamente,  um isolamento total, aulas suspensas.  Os pais servindo de ponte  entre escola e aluno, porém,  chegou -se à conclusão de que os pais não estavam preparados para essa difícil missão,  muito stresse,  gritaria, ofensas aos professores.

Não sei como será,  mas o Natal à mais de 2000 anos que é celebrado e só sei que esta recordação ficará por muitos anos em como o ano que e o “Pai Natal faliu”.

Natal também é tempo de aprender. Aprender perdoar, aprender amar, aprender abraçar, aprender beijar, aprender ser humilde, aprender a entender o que realmente as pessoas querem.

Neste ano, a nossa árvore de Natal pode não ter presentes postos em baixo dela. Que neste Natal e em todos os dias do próximo ano, possamos fazer de Jesus nosso melhor amigo, pois Ele é o maior motivo do Natal e da nossa existência. Feliz Natal e um novo ano cheio de amor, paz, amizade, humildade e sabedoria.

Natal, pode ser todos os dias, basta querer abraçar! Eu quero olhar o Mundo e poder ver isso todos os dias.

BOAS FESTAS

Ilídio Bartolomeu