Aldeia de Argoselo, foi um nome
variável ao longo dos séculos e, que a tornou célebre pelas belezas
naturais, economia agrária, comercio e água em abundancia. Um dos meus sonhos
sempre foi escrever a minha terra. Começar por uma ponta, desde o Santo Amaro e
acabar no São Sebastião, tão bonita tem estado ela nestes soalheiros dias de
verão. A minha terra, na verdade, é um bocado raiano da metrópole.
Fui percebendo, ao viver e ao pensar, que
a terra está dentro de mim. Melhor dizendo, a minha terra também sou eu,
enquanto cá estiver e tudo o que nela deixar. Este é o olhar de uma pessoa que olha para
os meus conterrâneos de uma certa maneira. E isso é bom. Sermos olhados por
outros olhares, ajuda-nos a afastar os hábitos que temos. Uma exposição de gentes,
seus olhares, seus afazeres, suas alegrias e onde o sagrado e o profano
convivem lado a lado.
Na aldeia da minha vida, cresci a ouvir cantar os pardais, os galos, os
cães a ladrarem, o som do tilintar das campainhas das vacas, do chocalhar
de cabras e ovelhas, de passear nos tradicionais carros dos bois e a
cavalo nos dóceis burros. À medida que fui crescendo, ia-me deliciando a ouvir
histórias do meu Tio Porfírio, homem de personalidade forte, enquanto contava,
deixava-me impressionado com o que estava a ouvir e tinha a sensação de medo, é
claro que tudo eram fantasias. As brincadeiras na rua nunca cansavam e
nunca aborreciam. Começavam de manhã e só terminavam ao sol posto.
A minha mãe, que era pequerrucha e bondosa com um anjo, fazia uma respigona,
muito saborosa, que se mantinha boa durante dias. Naquele tempo, o pão era o principal alimento dos portugueses. O pão e o vinho, como fazia questão de frisar, de forma propositadamente ambígua, a
propaganda salazarista. Na casa dos meus pais, também era assim. Podia faltar
tudo, e às vezes faltava, mas havia sempre pão e umas malgas de caldo de couves
ou cebola e batatas às quais eu gostava de o comer no peitoril da janela até
dizer ahhhhhh!..
Havia vida nas ruas e todas as
pessoas falavam umas com as outras. As festas na aldeia eram
grandes acontecimentos sociais e as pessoas reuniam-se todas para festejar. E
claro, ao domingo ninguém esquecia a missa e depois dava-se dois
dedos de conversa no adro da igreja. Antes da chegada da televisão era assim,
mas depois, tudo isto mudou e agora com os telemóveis nem se fala…
Voltar a estes tempos únicos é simples,
mágico e só quem passa pela experiência é que consegue perceber o impacto que
ela pode ter em nós. Voltar a estes tempos é voltar a um tempo em que tudo
passa mais lentamente, com mais calma e mais paz. E mesmo devagar, havia tempo
para tudo. Só conhecendo as nossas raízes e a nossa história é que podemos,
efetivamente, crescer e ter sucesso no presente e no futuro. Hoje, temos o Google
para nos ajudar com todas as nossas dúvidas. Mesmo assim preferia-se os sábios
conselhos dos anciões, portadores do seu conhecimento adquirido pela
experiência de vida, que ainda desprovidos de instrução escolar tinham muito
para ensinar.
A minha aldeia, possuía um Património
valioso. Tinha os pelames que graças aos emigrantes judeus vindos de
Espanha os construíram, e os que lhes seguiram foi o seu ganha pão, dava
trabalho a muitas pessoas. Até metade do século XX, consumíamos a água
das fontes e comíamos o que a terra dava. Tratavam-se as doenças com plantas do
campo, sopas de cavalo cansado,(malgas de vinho com pão e açúcar), bagaço
e mel. A morte ia roubando os mais fracos; e os que resistiam, alguns chegavam
a viver quase cem anos. Na Aldeia da Minha Vida interiorizou-se o princípio de que nem só de pão
vive o homem. As vivencias justificam a sua existência. Preservar as tradições.
Os lavradores matavam um ou dois porcos, nos fornos cozia-se o pão de
trigo, centeio ou de mistura, folares de carne ou sem ela, a assar cabritos,
frangos e outros petiscos que nos faziam crescer água na boca.
Quando eu era novo, a juventude era muita… os rapazes estavam na espreita a
ver onde é que as raparigas andavam para irmos ter com elas e esperá-las. Elas
iam lavar a roupa nós íamos lá ter, se elas iam á fonte nós
metíamos pedras dentro do cântaro, elas tiravam-nas e apedrejavam-nos.
Quando estavam a encher o cântaro na bica, sacudíamos a água do
tanque para dentro do cântaro e elas despejavam, mas por vezes atingiam-nos com
a água e ficávamos molhados depois riam-se de nós. Mas o prepósito era
fazer patifarias para que elas estivessem mais tempo ao pé de nós. A
aldeia, que outrora era próspera na agricultura, criação de gado e volfrâmio,
começou a perder habitantes: uns emigraram outros faleceram na aldeia que
os viu nascer.
Em gerações passadas, sobretudo nos anos
de 1950 a 1990, a aldeia de Argoselo contava com os maiores números de
habitantes de que há memória, chegando a ajuntar mais de 45 adultos todos
os anos á inspeção para a tropa. As memórias destes tempos são as mais
estimadas pelos habitantes que as viveram, pois relembram os anos de ouro da
aldeia.
As pessoas dedicavam-se ao cultivo das terras e à pastorícia, sendo que em
1965 a aldeia contava com mais de 1.500 habitantes permanentes. Hoje o número
de campos cultivados é cada vez menor e gado quase não existe. A aldeia que
hoje é Vila, tem uma população mais ou menos 400 habitantes. O que está a
acontecer nesta Vila de Argoselo, é um fenómeno que se repete em várias aldeias
e vilas portuguesas. Os descendentes mais jovens procuram ir viver para locais
mais urbanizados, as pessoas com maior idade que ficam, deixam de poder
trabalhar devido a doenças e à falta de familiares que os ajudem. As vilas
e aldeias perdem vigor e vão ficando esquecidas, até que perdem os seus últimos
habitantes e eventualmente ficam abandonadas.
Os que escolhem sair da aldeia (vila)
fazem-no quase sempre à procura de um futuro melhor. No entanto, há aqueles que
continuam a visitar regularmente a vila sem nunca se desfazerem dos bens
materiais como casas, que ainda possuem.
Em Julho visitei a Argoselo, serviu para
relembrar os tempos da minha infância e juventude, reconheço que, no meu ponto
de vista, a aldeia (Vila), que outrora era próspera, nunca mais tornará a ser o
que era. Trata-se de um lugar que quase parece ter parado no tempo. A
realidade da Vila de Argoselo, estende-se a muitas outras Vilas no interior do
país. Neste verão de 2022, visitei a minha aldeia (vila) é de longe, a mais
bonita, a progressividade tem sido muito pouca, diga-se em abono da
verdade mas, aja esperança. Enfeita-se com alguns belos jardins das casas dos
emigrantes, os campos, montes e vales vão-se ajustando aos nove meses de
Inverno e três de Inferno. Na minha aldeia (vila) faz-se história e vive-se a
história dos antepassados com amor e alegria, que o diga a Associação Amizade
Cultural do Bairro de Baixo. Se há outra digam-me (excluir Bola)
Era neste espírito que se vivia na
aldeia, mas no fundo é neste espírito que todos devíamos viver porque o
homem foi feito para viver em sociedade, pode viver isolado do grupo mas
não é tão feliz nem tão bem-sucedido. E como é que podemos recuperar essas
raízes e essas partes de nós? A minha aldeia, que é A Aldeia (Vila) da
Minha Vida, está de braços abertos para vos acolher.
Ilídio Bartolomeu