domingo, 29 de janeiro de 2023

A MINHA HOMENAGEM AO BARBEIRO E PASTOR!


 “O Mantino Barbeiro”, como era conhecido em Argoselo partiu com 92 anos. Tinha um rebanho de ovelhas, depois de as pastorejar, aos sábados chegava a trabalhar das 14h00 às 23h00 à luz da cadeia e ao domingo de manhã até ao meio dia, tempos áureos em que Argoselo tinha muita gente.

“O Mantino”, quando fundou a sua barbearia  era uma novidade na época. Onde não faltava o espelho e a cadeira de trono, esse luxo, para o freguês, que quando não palrava, passava pelas brasas: o assento de ferro fundido, estufada a napa. Um orgulho que na época lhe custou os olhos da cara.

“O barbeiro Adriano, “Mantino”, cuidava não só do nosso visual, mas levantava a nossa autoestima. O trabalho dele fazia-nos sentir melhor com nós mesmos e transformava, muitas vezes, a forma como nós nos víamos. A missão dessa profissão é fazer com que a gente se sinta bem”.

Aquele cubículo de salão do meu amigo Adriano Fernandes, “Mantino”, ainda hoje existente, como museu vivo, lutando contra o tempo, em forma de “consultório” podia, sem favor, ser tudo. Tão depressa era um santuário, onde se expressavam preces, se faziam confissões e se planeavam casamentos, como, por milagre, virava uma “casa do soalheiro”, onde se dizia mal de tudo o que mexia e de todos. Era ali que se sabiam as novidades. “O Mantino”, o “técnico-barbeiro”, era um bom homem.

Mesmo sem conhecer grandes técnicas de corte de cabelos, a vida dura ensinou-o a ser assertivo. Como Deus, leal e omnipresente, que apenas tem ouvidos, habituava-se a escutar, e, sem se comprometer, ao longo de décadas de profissão sempre foi acompanhando as conversas de modo a que o cliente sentisse que participava na história. Ele sempre soube colocar-se no seu lugar de ocasião, que um bom barbeiro para além de ser exímio na sua arte, deve ser conselheiro, padre e psicólogo.

Mas, se era certo que o gado dava mais rendimento, o mesmo se podia dizer do trabalho do pastorejo. As ovelhas dava muito mais trabalho porque o cabelo sempre se cortava resguardado da chuva e do frio, dizia a esposa de Adriano Fernandes.

Tesouras e pentes, ficaram pendurados, retratos da história, e também uma grande amizade entre o barbeiro e o seu cliente: fica evidente a passagem do tempo.

Lembro dele, era um garotinho, Só pensava que ele era só um bom barbeiro e um bom homem. “Mas chegou a hora e morreu”

Sinto "tristeza" pela partida do amigo barbeiro Adriano, a quem, como qualquer outra pessoa, cobrava 5 coroas pelos seus serviços.

Os meus sinceros pêsames à família.

Ilídio Bartolomeu

sábado, 28 de janeiro de 2023

O QUE ME LIGA A ARGOSELO?


 

Nasci em 1947, em Argoselo, num tempo em que não havia idade definida para a entrada na pré-primária e, como tal, as atividades eram muito variadas, das quais dou conta dum pequeno número: acarretar água para beber e fazer a comida em casa e fazer recados. Com a entrada na escola primária continuei a fazer aquelas e outras atividades antes e depois das aulas: regar a horta, apanhar batatas. Então, o que é que me liga  a Argoselo? É, em primeiro lugar, essa ligação à terra, às brincadeiras e num trabalho árduo em que cedo aprendíamos tudo quanto era necessário para o sustento da vida. A minha geração foi a última que viveu apinhadas de gente. Depois, veio a guerra colonial e o êxodo migratório, tendo eu escapado a ambos, vim com 15 anos para o Estoril. Ao longo de todos estes anos, nunca deixei de ir no Natal, na Páscoa e no Verão a Argoselo, foi e continuará a ser sempre, para mim, o centro do mundo, mesmo não estando lá fisicamente. Hoje é fácil comparando com o que era uma deslocação Lisboa Argoselo antes da construção do IP5.

Argoselo, para mim, esteve presente como uma espécie de laboratório natural inspirado no verso de Fernando Pessoa: Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo.

Habituado desde pequeno a olhar o serro, a ponte do Rio Maças, a ouvir os mais velhos falar das Invasões Francesas, a ouvir romances antigos só podia despertar-me para o desvendar do mistério que tudo isso encerra; testemunha da fuga dos homens e mulheres para França, das casas que uma a uma se fechavam, das searas que ficavam por ceifar, das terras que ficavam ao abandono, pressenti que algo de grave se estava a passar e que podia ser a morte inexorável da aldeia. Foi assim que, em 2000, criei o “Blog Freixagosa” escrevi Memórias de Argoselo, minha terra minha gente, para que fosse a preservação de um passado que não merece ficar esquecido. Porém, se recordo o passado, nunca me resignei a que não pudesse haver futuro.

Foi assim que, com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação, criei, "o Blog Freixagosa", com o objetivo de manter os laços entre todos os Argoselenses espalhados pelo mundo, de os incentivar a virem cá ou para cá, de apresentar projetos (utópicos?). São 20 anos de persistência o que é uma longevidade considerável, num reino onde tudo é tão fugaz, sobrevivendo às redes sociais bem mais atrativas. São muitas horas dedicadas a Argoselo, num trabalho pro bono, que faço com imenso prazer.

Uma boa parte da minha geração entrou, recentemente, ou está a entrar na reforma, uma boa parte deles emigrantes. A primeira geração de emigrantes vem regressando aos poucos. Esta segunda geração construiu lá a sua vida e a maior parte tem lá os filhos, os netos e encontram-se divididos entre lá e cá. Quase todos acabam por vir cá no verão por causa das festas, da romaria de São Bartolomeu. Por vezes, vêm os filhos e os netos e alguns dos mais novos esperam o momento. Fala-se muito de turismo e devia estar-se muito atento a esta franja populacional que, sazonalmente, enche as nossas aldeias. É preciso saber cativá-los, sobretudo, aos mais jovens.

O contacto com a natureza é o ponto mais forte e devia ser explorado em termos de oferta turística – os rios, os campos, a observação de aves e o firmamento. Penso que todas as aldeias do concelho têm, Wi-Fi. No caso de Argoselo, o sinal  não é de péssima qualidade é o suficiente. E como é que vêjo o futuro de Argoselo daqui a uma ou duas  décadas?

Tudo, quase tudo, depende dos projetos que as próximas gestões  autárquicas venham a propor e que terá de ser projetos muito exigentes, inovadores, mobilizador que vá para além da lógica partidária, capaz de gerar confiança e mobilizar todos os interessados em dar vida à Vila.

A continuar como está, cada vez será mais insignificante. Não há milagres. É preciso saber o que se quer, qual a direção. Depois é preciso caminhar, passo a passo com o tempo que for preciso. Não é preciso esperar por toda a gente, mas é preciso que quem vá inspire confiança.

Ilídio Bartolomeu

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

VÁ PARA O INTERIOR, CARAMBA!...

A senhora é-me conhecida, o burro e a carroça também e a paisagem familiar. Diria que é a estrada que vai da aldeia de Outeiro para a Vila de Argoselo. Cada vez mais rara,  esta é uma cena típica da Vila. Em termos históricos (sim, a História também é feita por carroças, burros e pelos seus proprietários) este tipo de transporte surge nos anos sessenta quando começa o êxodo migratório para França e os lavradores se desfazem da possante e pachorrenta junta de vacas, do respetivo carro (maciço, pesado,  de rodas de meia lua em madeira cravejada de ferragens), do arado, da charrua e demais arreios pondo termo a uma economia secular do trato de centeio, da cultura de regadio (sobretudo a batata mas também o linho) e da vinha complementada com o gado. Na impossibilidade de continuar com uma estrutura tão pesada - é mais difícil alimentar uma vaca do que meia dúzia de burros - as mulheres que ficaram encontraram uma solução: o burro e a carroça. 

Se quiser viver no interior e quiser prover ao seu integral sustento esta é a situação ideal. Sem estar dentro dos preços, diria que com dois ou três mil euros terá carroça, burro e respetivos arreios e acessórios. Com o burro tem assegurado um transporte seguro, barato e não poluente. Poderá fazer uma economia circular, uma agricultura inteiramente biológica, sem emissões de dióxido de carbono.

Com o burro poderá lavrar a terra, transportar todo o tipo de produtos, incluindo o estrume que ele abundantemente produz e ter uma agricultura próspera,  fazer uma cultura de regadio à custa do burro, (arranje uma horta que disponha de uma nora). Então, se começa a ficar entusiasmado, comece o projeto. Eu sugiro que vá para o interior, para os designados territórios de baixa densidade, de preferência para uma das 22 localidades do Concelho de Vimioso. Aqui tudo chega mais tarde ou nem sequer chega, como acontece com o vírus que graça por todo o planeta. Todas as aldeias têm os seus encantos naturais, a sua identidade, a sua história. Poderá optar por comprar a casa onde quer viver ou poderá arrendar (há muita oferta). Poderá comprar um terreno, arrendar ou até alguém lhe poderá ceder através de um contrato de comodato ou sem contrato. Depois decida se compra um burro ou uma burra. Para além da casa, do terreno, da carroça e do burro não se esqueça de comprar, uma albarda. E, claro (não compre, arranje você mesmo) uma vara que para além de conduzir a besta lhe virá a ser muito útil como, com tempo, descobrirá. Como irá descobrir muitas outras coisas. Mas isso também faz parte da parte interessante. 

O burro é um animal frugal, comunicativo, muito resistente, inteligente  e bom companheiro. Não compre relógio ou despertador porque ele é que lhe vai ditar o tempo. E acredite que se a voz de burro não chega ao céu, ela chega mais longe que qualquer outra.

Ilídio Bartolomeu

 

sábado, 21 de janeiro de 2023

BONITO, GRACIOSO E EXPETACULAR PALCO QUE A VILA DE ARGOSELO TEM!!!

Antigo Largo das Festas Melhorado com um Lindo Palco

 O maior palco do mundo é o palco político. Pode estar em qualquer lado e ter muitos atores em cena ao mesmo tempo. Há uns anos, o Centro da Vila de Argoselo, transformou-se num desses palcos.

Se entramos num teatro nos momentos que antecedem o espetáculo, vemos alguma movimentação no palco onde estão sendo instalados os painéis que irão compor o cenário. Mas a movimentação que vemos não é o espetáculo propriamente dito.

Bom, neste caso, no grande palco político que é agora “esta casa abandonada” não seria melhor colocar alguns artistas verdadeiros do que levar à cena esta triste figura acompanhado por aqueles  “Meninos Mal Comportados” que acham que tudo está bem?


 Ilídio Bartolomeu

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

A VIDA TAL COMO ELA É NA VILA


 Caros amigos de leitura destes textos que vou escrevendo, com alguma regularidade e que gosto de fazer o exercício de olhar um pouco para aquilo que outros antes de nós fizeram. Não porque goste de me prender e ficar amarrado ao passado, mas para ir vendo se o caminhar dos habitantes da Vila que vão transcorrendo se já passou por situações das quais se possam tirar ensinamentos ou até precedentes,  que nos permitam ir achando graça, ao andar por cá.

Aldeia, como os habitantes a aludem, também se reclama como uma Vila. Um dos aspetos que por vezes me surpreende é o facto de sentir que muitos dos atuais habitantes desta nossa Vila, parecem pensar que certas preocupações que vão tendo, são atenções de uma modernidade que em nada tem a ver com o passado. Penso que as coisas não são bem assim. Se não vejamos.

A Vila mudou, agigantou-se, efervesceu. Há vinte anos, a Vila era aldeia, tudo corria desaceleradamente. Não é saudosismo, muita coisa melhorou. Mudou como tudo muda. A contradição da Vila é que, quanto mais ela cresce, mais isolados ficamos. Para nada precisamos sair da Vila, aqui circulamos e aqui nos encontramos, entre cada vez mais estranhos, nas poucas ruas que definem a grande Vila. Rostos familiares, casas conhecidas, conversas repetidas, vamos seguindo com o jeito cada vez mais provinciano de se viver.

Há quase de tudo na grande Vila: lojas de serviços essenciais, banco, farmácia, posto de saúde, igrejas, oficinas, postos de gasolina, restaurantes, padarias, funerária e uma Junta de Freguesia, que por sua vez não resolve quase nada, mas está ali para os nossos desabafos.

Mas o que é que não tem a Vila, que outras têm? Por aqui falta um lugar de lazer, um parque com um lindo lago, por exemplo. Mas isso tão pouco existe nas outras nove freguesias do Concelho.

E o que tem a Vila? Tem casas antigas, tem gente antiga, tem gente que morre de repente e gente que não morre nunca. Tem viúvas e viúvos, tem o poupatempo e os bancos da praça para quem tem tempo de sobra. Tem a calçada irregular, buracos nas ruas, tem cães com ou sem coleira ignorando limites sujando as ruas. Tem casas abandonadas, porcaria acumulada nas sarjetas e limpeza pública a menos e lembrando o quanto ainda temos de nos civilizar.

A Vila cresce em tamanho, mas não em movimento de pessoas. Mas ela modifica-se no visual. Casas caídas e terrenos abandonados, vão dando origem a algumas construções mais modernas, mas nem tanto. O perfil da Vila, vai-se alterando mas, só para quem vive cá é que dá por isso, porque para os de fora, está tudo na mesma, bons-dias e boas-tardes determinam quem aqui vive.

 Quem é da Vila anda a pé, uns aos domingos vão à igreja à missa, e vão direitinhos para o lugar de sempre que devem ocupar, outros ficam na praça sentados nos bancos a conversar, ao mesmo tempo que veem a vida passar ao ritmo dos carros que atravessam a rua principal e outros estão no Centro Social, onde as ausências e esse passar de tempo, talvez lhes pareçam menores.

Há problemas específicos na Vila, despovoada, envelhecida e em desertificação que exigem respostas avançadas de rotura em alguns dos instrumentos da política. Isto para dizer que, ao nível da política regional, a Vila não pode abdicar de conceber e executar uma estratégia forte de mudança. Tem de ponderar os resultados alcançados nas últimas décadas, numa perspetiva e com um desígnio muito claro relativamente ao futuro. Esta é a minha constatação.

Bem, o que daqui se pode extrair, é que afinal a vida do homem, de qualquer homem, tem sempre algo de particular e por vezes muito estranho que seja outrora ou agora, que fazer? Pode perguntar-se. Aceitá-la tal como ela se nos propõe? A resposta decididamente: é óbvio que não; As consequências do contrário têm sido devastadoras para a Vila ao longo destes anos…tanto para os que nela habitam, como para aqueles que a escolhem para passar férias com a família.

Seja com pandemia, seja com distanciamento, seja como for, a vida sempre vale a pena ser vivida, assim como ela é, pois é a única que temos, e devemos saber vive-la com todos os cuidados possíveis...

E para que assim seja, nada melhor do que fazer de cada dia, sempre um bonito dia, que é o que desejo a todos, bem vivendo a vida como ela é...

 Ilídio Bartolomeu

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

MARCAS DO TEMPO

O tempo passa e deixa as suas marcas na vida, ondas do mar, que fluem e refluem calmas ou impetuosas, passivas ou furiosas. Ao longo da minha vida tive várias quedas.  Levantei-me, nalgumas, sacudi a poeira e continuei. Noutras fiquei com marcas que o tempo não desfez.
Mas, a vida também me trouxe momentos repletos de felicidade, de simpatia e de paixão, que deixaram os meus olhos brilhantes de alegria e de emoção e o meu coração abarrotar, de amor, de carinho e de afeição. O tempo envolve mudanças, no corpo, no rosto, na forma de pensar, na essência de cada um… o meu rosto tem as marcas do tempo, como as rugas e careca. Rugas e cãs que contam histórias, dos anos vividos, das derrotas e vitórias vivenciadas em cada dia.

As minhas mãos estão lavradas por sulcos profundos como campos preparados para as sementeiras e manchadas não só pelo efeito do sol, mas também fruto da idade.
Mas, no meu rosto ainda tenho o sorriso de criança  que cumprimenta a vida com alegria e comoção, confiando em que cada amanhecer se renove a esperança de dias melhores.  É acreditar para a felicidade chegar! São as rugas e alguns cabelos grisalhos, as quedas e os arranhões, as vitórias e derrotas, as alegrias e as deceções que fizeram de mim aquilo que eu sou hoje.

Ilídio Bartolomeu