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IGREJA MATRIZ |
Só quem ler pode saber…
Que posso dizer acerca da aldeia da minha vida?
Bom, para começar, hoje não é aldeia mas sim Vila,
e o facto de que quem vos escreve lá nasceu. O que já não é pouco.
Para vocências nada representará, evidentemente. Para mim, porém, é
todo um mundo em que vi a abençoada luz do dia e onde cresci até aos dezasseis anos.
«Aqui ouvimos a
terra. Uma terra simples de gente pura e trabalhadora. Gente que sempre viveu
em comunidade, que ri que chora. Gente que ama a sua terra! Que sabe
ultrapassar dificuldades em conjunto e orar. Que sabe construir e dizer mal.
Que partiu para o Mundo, mas nunca esqueceu as suas origens.».
«A nossa terra
é a nossa vida, é tudo aquilo que construímos, são as pessoas com quem
convivemos e amamos, mas é também tudo aquilo que nos envolve e cria memórias.
São os cheiros da giesta, os caminhos estreitos do campo escorregadios, o gelo
a quebrar na terra sob os pés, são os pores-do-sol.».
RUA PRINCIPAL DA ALDEIA
Agora, na rua
da minha aldeia, muitas casas estão vazias. As portas e janelas estão fechadas
e algumas com os vidros partidos embrenhando mato e bicharada. Muitas pessoas
já morreram e as casas foram morrendo também. Em algumas ficaram mesmo só as
pedras e as lembranças de quem por ali morou. As ruas da minha aldeia agora, já
não parecem com a rua da minha aldeia quando era gaiato mas, apesar disso,
serão sempre as ruas da minha aldeia. São ruas nossas que não temos coragem de
as deixar, ruas tão amplas que nos levam até onde os nossos sonhos permitirem e
a realidade autorizar. São lembranças da vida em tempos difíceis, em que a
coragem se refletia não só na aceitação do destino, mas também no seu repúdio
pelos que as trocaram pelas aventuras num mundo em que a humanidade ainda é a
mesma. Mas disfarçada pelo caminhar do tempo! Final de tarde, ao longe, o sino
desperta a Natureza e irrompe pelas casas a dentro. Algumas mulheres da minha
aldeia rezam ainda, quase sibilando. O silêncio nas ruas da minha aldeia é
ensurdecedor e esconde-se juntamente com o sol, vagaroso, até desaparecer no
horizonte.
Com esta
monografia procuro fazer uma narrativa de alguns dos momentos mais pitorescos
do sentir e do viver das “gentes da minha terra”, isto é, da população da
aldeia instalada nos confins do mundo, para lhe prestar uma modesta homenagem.
A vida nesta
aldeia transmontana, era pouco diferente da forma de viver da Idade Média; com
os mesmos hábitos, costumes, usos, religiosidades, crendices e tantas e tantas
outras coisas ligadas ao sentir e viver destas gentes. Viviam longe de tudo e
de todos, quase que isolados do resto do mundo. Em muitos dos casos, as pessoas
tinham apenas como companhia mais próxima os seus animais domésticos. Viviam do
fruto do seu trabalho, fazendo toda a sua vida ligada aos campos, ao cultivo
das suas terras e à criação de alguns animais domésticos, tal como sempre o
tinham feito os seus antepassados.
O período que
aqui relatado tem a ver com a situação de algumas aldeias do Nordeste Transmontano,
que, a seguir à II Grande Guerra de 1945, ainda se encontram numa situação de
grande atraso em relação ao resto do País; sem água canalizada, sem esgotos,
sem luz elétrica, enfim, sem tantas e tantas outras coisas que na altura já
abundavam no resto do País. Na verdade, algumas das aldeias do Norte do País,
em especial as que se encontram mais afastadas dos centros de decisão, as tais
“onde se ouve o canto dos galos” vivem numa situação muito próxima da Idade
Média. As suas populações vivem da mesma forma como viveram os seus pais, os
seus avós, bem como os seus antepassados, dando a ideia de que ali o tempo está parado.
FONTE DAS NOGUEIRAS
Nesta tese
relata-se a vida duma aldeia para “lá do sol posto”, num determinado período de
tempo, por onde, uns anos antes, tinha passado um autêntico vendaval, provocado
pela corrida desenfreada ao volfrâmio. De facto, “aquele insignificante metal”,
que era cobiçado pelas potências militares em guerra, nomeadamente pela
Alemanha e pela Inglaterra, existia com abundância e, em alguns casos,
encontrava-se mesmo a céu aberto.
Daí que a
população desta aldeia, envolvida por este súbito e apetecível negócio,
deslumbradas com a ideia de enriquecer facilmente, se sentissem a viver numa
espécie de “El´Dourado à portuguesa”, que acabou por alterar uma boa parte dos
seus comportamentos.
Efetivamente,
com a entrada de dinheiro fácil, algum de proveniência ilícita, ou, pelo menos,
de proveniência bastante duvidosa, foi-se desenvolvendo a ideia duma vida de
facilidades, bem diferente da vida rude e difícil que havia até então. E, de
tal forma assim foi, que, alguns dos mais afoitos, se acharam enriquecidos dum
dia para o outro.
Porém, se o dinheiro aparecia duma forma assim tão fácil, a verdade é que
também era gasto muito facilmente, dizendo-se naquela altura: “o dinheiro
entrou pela porta, foi-se pela janela e nem chegou a aquecer a casa por onde
tinha passado.” A euforia deste negócio tão lucrativo era de tal forma
deslumbrante que um comerciante da aldeia, numa noite, quando estava a comer,
terá dito à sua mulher o seguinte: “olha, mulher, se a guerra continuar por
mais uns anitos, ainda vamos mandar fazer pratos de ouro”.
RUA DO BAIRRO DE BAIXO
Aconteceu que, logo que a guerra se aproximou do seu fim, e a vitória dos aliados já se fazia sentir, os alemães, grandes compradores do volfrâmio, a pouco e pouco foram-se afastando até desapareceram completamente. E os ingleses, que ainda se foram mantendo por mais algum tempo, também eles se escapuliram daqui para fora.
No final de toda esta ilusão, a aldeia ficou tão pobre como dantes: os ricos continuaram a ser ricos ou mais ricos ainda, e os pobres não deixaram de ser pobres. E daí que, a vida na aldeia do fim do mundo continuasse a ser vivida tal como tinha sido feita antes da febre do volfrâmio. Acabando a fase da ilusão, voltou tudo ao mesmo de sempre. Vivendo-se na mesma maneira como sempre ali se viveu: com os mesmos hábitos, usos e costumes. Usufruindo-se dos mesmos baldios, dos mesmos lameiros, do mesmo forno etc. E também os trabalhos rurais, que eram feitos pela força braçal dos homens e pela força dos animais domésticos, continuaram a ser feitos da mesma forma de sempre.
Nesta obra, descreve-se, pois, a forma de viver das gentes da aldeia, metida nas fraldas das serras transmontanas, num tempo bastante conturbado do nosso País, onde se vivia do fruto do amanho dos campos, duma lavoura ancestral, e da criação do gado, a meias com o fruto de algum contrabando que se ia fazendo com a vizinha Espanha. A partir de certa altura, porém, também a minha aldeia veio a sofrer os efeitos das guerras nas colónias, que, durante uma boa dúzia de anos, lhe arrebatou muitos dos seus jovens. E, para agravar ainda mais a falta de mão de obra jovem, que se ia fazendo sentir, muitos outros jovens, nas vésperas de serem incorporados nas fileiras, para não irem combater na guerra das colónias, davam o salto, fugindo para a França.
RUAS DO BAIRRO DE BAIXO
Procurou-se,
assim, com esta modesta monografia, narrar a vida da população duma aldeia,
situada longe dos grandes centros urbanos, e onde se faziam sentir bem
fortemente as tradições, assentes em meras crendices, feitiçarias, e certos
hábitos religiosos misturados com algumas práticas de origem pagã. Os usos e os
costumes desta população rural encontravam-se ainda ligada a alguns dos
comportamentos sociais e humanos próprios dum antigo regime senhorial de
fidalgotes.
Contudo, nesta
aldeia ainda era frequente resolverem-se os conflitos locais através de
decisões de árbitros, louvados, conselheiros, juízes de paz, ou quaisquer
outros homens bons da aldeia. E ainda era frequente, também, fazerem-se
contratos verbais, firmados apenas com um aperto de mãos. E, alguns arranjos,
tratos, trocas e promessas de compras e de vendas eram feitas só por decisões
verbais, aceites na palavra dada pelos contratantes. Tais comportamentos
mostravam bem que ali ainda se faziam sentir uns restos dum comunitarismo
rural, em que muitas das regras e das normas do direito local se baseavam em
antigos usos e costumes das comunidades locais. E, duma certa maneira, foi por
causa do grande isolamento que se foi crescendo a ideia duma auto-governação,
bem ilustrada na frase seguinte: “para cá do Marão mandam os que cá estão.”

Na verdade, a
Vila encontra-se um pouco abandonada à sua sorte, entregue a si própria, longe
de tudo e de todos, o que terá levado muitos dos seus habitantes a dizerem “que
vivem para ali esquecidos de Deus e dos homens, e que só se lembram deles
quando chegam os pagamentos das décimas, as côngruas, as indulgências e outras
coisas mais.”
E, assim sendo,
resta-me dedicar esta modesta monografia dos costumes da minha aldeia do Nordeste
do País aos seus habitantes, que vivem lá longe, atrás das fragas, longe de tudo
e de todos. Penso, assim, ter prestado uma singela homenagem aos habitantes da
terra dos seixos, das urzes, dos tojos, das estevas, do alecrim … De vez em
quando muitos dos que aqui nasceram regressam para reatar os laços quebrados e
assim dar continuidade à vida e pacificarem a sua consciência.
Todos nós temos
no coração aquela aldeia querida que, por razões diversas e em determinados
momentos das nossas vidas, nos deixou simplesmente nas nuvens! …Tudo à volta desta
aldeia que nos marcou no passado e nos tornou no que somos
hoje. Aquela aldeia que nos viu nascer, crescer, aprender, trabalhar,
enfim viver! Até ao dia em que a vida nos obrigou a fazer escolhas duras, mas
necessárias, para seguir aqueles sonhos de criança. Pesando na balança o que
será mais duro, a busca por uma vida melhor, pareceu a decisão mais
acertada. Voar alto, bem longe para outro lugar, onde moram promessas, acabou
por ser uma ida, sem volta.
Aquela aldeia
que guardamos no coração deixa de ser a mesma, no dia em que decidimos partir,
para não voltar. Nesse dia, ela ficou certamente mais pobre. Quanto mais o
tempo passa, cresce a saudade e a vontade de voltar atrás reviver outra vez,
aqueles momentos simples, inocentes, mágicos. Da aldeia nada resta, senão
memórias de um tempo que não volta mais.
Depois de tudo
o que foi vivido aqui na Aldeia, também este cantinho mudou. Todos vocês deram
conta disso e por isso devo-vos uma explicação:
Quero partilhar
convosco o que vai na alma… A emoção é a alma deste blogue. Chorámos,
rimos, cantámos, rimámos, saboreámos, enfim há uma profunda partilha de
vivências, memórias, pensamentos, frustrações, alegrias e tristezas. Para quem
quiser ler e reler os magníficos textos que estão arquivados neste livro
virtual.
Os residentes
que restam ainda reina a esperança que um dia surja um D. Sebastião do interior
da floresta, ou um Adamastor vindo das costas de Espanha e corte as amarras
deste barco que parou no tempo e no espaço, para que o mundo acorde e avance. Ainda
há aldeias por descobrir ou ignoradas neste país, mas que pagam os seus
impostos em Portugal.
Mas deixem-me
viver neste paraíso envolto numa névoa de sonho e fantasia, no meio desta
explosão de verde, enredado em histórias e visões do passado. Apesar de tudo
temos paz, a tranquilidade, o silencio, o ar puro, a liberdade e Solidariedade dos
familiares, vizinhos e amigos.
Hoje, Argoselo
e os Argoselenses esperam ansiosamente por melhores dias. Esta vila merece
voltar a ter a mesma relevância que teve no séc. XX. Por isso, vamos unir
forças, criar ideias e iniciativas para que Argoselo, assim como, todas as
aldeias e vilas portuguesas não sejam esquecidas.
Estou sempre
disponível sempre que quiserem. Podem também contactar-me via email:
argoselobartolomeu@gmail.com
Ilidio Bartolomeu