terça-feira, 3 de agosto de 2021

ALDEIA DA MINHA VIDA!


IGREJA MATRIZ

 Só quem ler pode saber…

Que posso dizer acerca da aldeia da minha vida?

Bom, para começar, hoje não é aldeia mas sim Vila,
e o facto de que quem vos escreve lá nasceu. O que já não é pouco.

Para vocências nada representará, evidentemente. Para mim, porém, é todo um mundo em que vi a abençoada luz do dia e onde cresci até aos dezasseis anos. 

«Aqui ouvimos a terra. Uma terra simples de gente pura e trabalhadora. Gente que sempre viveu em comunidade, que ri que chora. Gente que ama a sua terra! Que sabe ultrapassar dificuldades em conjunto e orar. Que sabe construir e dizer mal. Que partiu para o Mundo, mas nunca esqueceu as suas origens.».

«A nossa terra é a nossa vida, é tudo aquilo que construímos, são as pessoas com quem convivemos e amamos, mas é também tudo aquilo que nos envolve e cria memórias. São os cheiros da giesta, os caminhos estreitos do campo escorregadios, o gelo a quebrar na terra sob os pés, são os pores-do-sol.».

RUA PRINCIPAL DA ALDEIA

Agora, na rua da minha aldeia, muitas casas estão vazias. As portas e janelas estão fechadas e algumas com os vidros partidos embrenhando mato e bicharada. Muitas pessoas já morreram e as casas foram morrendo também. Em algumas ficaram mesmo só as pedras e as lembranças de quem por ali morou. As ruas da minha aldeia agora, já não parecem com a rua da minha aldeia quando era gaiato mas, apesar disso, serão sempre as ruas da minha aldeia. São ruas nossas que não temos coragem de as deixar, ruas tão amplas que nos levam até onde os nossos sonhos permitirem e a realidade autorizar. São lembranças da vida em tempos difíceis, em que a coragem se refletia não só na aceitação do destino, mas também no seu repúdio pelos que as trocaram pelas aventuras num mundo em que a humanidade ainda é a mesma. Mas disfarçada pelo caminhar do tempo! Final de tarde, ao longe, o sino desperta a Natureza e irrompe pelas casas a dentro. Algumas mulheres da minha aldeia rezam ainda, quase sibilando. O silêncio nas ruas da minha aldeia é ensurdecedor e esconde-se juntamente com o sol, vagaroso, até desaparecer no horizonte.

Com esta monografia procuro fazer uma narrativa de alguns dos momentos mais pitorescos do sentir e do viver das “gentes da minha terra”, isto é, da população da aldeia instalada nos confins do mundo, para lhe prestar uma modesta homenagem.

A vida nesta aldeia transmontana, era pouco diferente da forma de viver da Idade Média; com os mesmos hábitos, costumes, usos, religiosidades, crendices e tantas e tantas outras coisas ligadas ao sentir e viver destas gentes. Viviam longe de tudo e de todos, quase que isolados do resto do mundo. Em muitos dos casos, as pessoas tinham apenas como companhia mais próxima os seus animais domésticos. Viviam do fruto do seu trabalho, fazendo toda a sua vida ligada aos campos, ao cultivo das suas terras e à criação de alguns animais domésticos, tal como sempre o tinham feito os seus antepassados.

O período que aqui relatado tem a ver com a situação de algumas aldeias do Nordeste Transmontano, que, a seguir à II Grande Guerra de 1945, ainda se encontram numa situação de grande atraso em relação ao resto do País; sem água canalizada, sem esgotos, sem luz elétrica, enfim, sem tantas e tantas outras coisas que na altura já abundavam no resto do País. Na verdade, algumas das aldeias do Norte do País, em especial as que se encontram mais afastadas dos centros de decisão, as tais “onde se ouve o canto dos galos” vivem numa situação muito próxima da Idade Média. As suas populações vivem da mesma forma como viveram os seus pais, os seus avós, bem como os seus antepassados, dando a ideia de que ali o tempo  está parado.

FONTE DAS NOGUEIRAS

Nesta tese relata-se a vida duma aldeia para “lá do sol posto”, num determinado período de tempo, por onde, uns anos antes, tinha passado um autêntico vendaval, provocado pela corrida desenfreada ao volfrâmio. De facto, “aquele insignificante metal”, que era cobiçado pelas potências militares em guerra, nomeadamente pela Alemanha e pela Inglaterra, existia com abundância e, em alguns casos, encontrava-se mesmo a céu aberto.

Daí que a população desta aldeia, envolvida por este súbito e apetecível negócio, deslumbradas com a ideia de enriquecer facilmente, se sentissem a viver numa espécie de “El´Dourado à portuguesa”, que acabou por alterar uma boa parte dos seus comportamentos.

Efetivamente, com a entrada de dinheiro fácil, algum de proveniência ilícita, ou, pelo menos, de proveniência bastante duvidosa, foi-se desenvolvendo a ideia duma vida de facilidades, bem diferente da vida rude e difícil que havia até então. E, de tal forma assim foi, que, alguns dos mais afoitos, se acharam enriquecidos dum dia para o outro.
Porém, se o dinheiro aparecia duma forma assim tão fácil, a verdade é que também era gasto muito facilmente, dizendo-se naquela altura: “o dinheiro entrou pela porta, foi-se pela janela e nem chegou a aquecer a casa por onde tinha passado.” A euforia deste negócio tão lucrativo era de tal forma deslumbrante que um comerciante da aldeia, numa noite, quando estava a comer, terá dito à sua mulher o seguinte: “olha, mulher, se a guerra continuar por mais uns anitos, ainda vamos mandar fazer pratos de ouro”.

RUA DO BAIRRO DE BAIXO

Aconteceu que, logo que a guerra se aproximou do seu fim, e a vitória dos aliados já se fazia sentir, os alemães, grandes compradores do volfrâmio, a pouco e pouco foram-se afastando até desapareceram completamente. E os ingleses, que ainda se foram mantendo por mais algum tempo, também eles se escapuliram daqui para fora.

No final de toda esta ilusão, a aldeia ficou tão pobre como dantes: os ricos continuaram a ser ricos ou mais ricos ainda, e os pobres não deixaram de ser pobres. E daí que, a vida na aldeia do fim do mundo continuasse a ser vivida tal como tinha sido feita antes da febre do volfrâmio. Acabando a fase da ilusão, voltou tudo ao mesmo de sempre. Vivendo-se na mesma maneira como sempre ali se viveu: com os mesmos hábitos, usos e costumes. Usufruindo-se dos mesmos baldios, dos mesmos lameiros, do mesmo forno etc. E também os trabalhos rurais, que eram feitos pela força braçal dos homens e pela força dos animais domésticos, continuaram a ser feitos da mesma forma de sempre.

Nesta obra, descreve-se, pois, a forma de viver das gentes da aldeia, metida nas fraldas das serras transmontanas, num tempo bastante conturbado do nosso País, onde se vivia do fruto do amanho dos campos, duma lavoura ancestral, e da criação do gado, a meias com o fruto de algum contrabando que se ia fazendo com a vizinha Espanha. A partir de certa altura, porém, também a minha aldeia veio a sofrer os efeitos das guerras nas colónias, que, durante uma boa dúzia de anos, lhe arrebatou muitos dos seus jovens. E, para agravar ainda mais a falta de mão de obra jovem, que se ia fazendo sentir, muitos outros jovens, nas vésperas de serem incorporados nas fileiras, para não irem combater na guerra das colónias, davam o salto, fugindo para a França. 

                                    RUAS DO BAIRRO DE BAIXO

Procurou-se, assim, com esta modesta monografia, narrar a vida da população duma aldeia, situada longe dos grandes centros urbanos, e onde se faziam sentir bem fortemente as tradições, assentes em meras crendices, feitiçarias, e certos hábitos religiosos misturados com algumas práticas de origem pagã. Os usos e os costumes desta população rural encontravam-se ainda ligada a alguns dos comportamentos sociais e humanos próprios dum antigo regime senhorial de fidalgotes.

Contudo, nesta aldeia ainda era frequente resolverem-se os conflitos locais através de decisões de árbitros, louvados, conselheiros, juízes de paz, ou quaisquer outros homens bons da aldeia. E ainda era frequente, também, fazerem-se contratos verbais, firmados apenas com um aperto de mãos. E, alguns arranjos, tratos, trocas e promessas de compras e de vendas eram feitas só por decisões verbais, aceites na palavra dada pelos contratantes. Tais comportamentos mostravam bem que ali ainda se faziam sentir uns restos dum comunitarismo rural, em que muitas das regras e das normas do direito local se baseavam em antigos usos e costumes das comunidades locais. E, duma certa maneira, foi por causa do grande isolamento que se foi crescendo a ideia duma auto-governação, bem ilustrada na frase seguinte: “para cá do Marão mandam os que cá estão.”

Na verdade, a Vila encontra-se um pouco abandonada à sua sorte, entregue a si própria, longe de tudo e de todos, o que terá levado muitos dos seus habitantes a dizerem “que vivem para ali esquecidos de Deus e dos homens, e que só se lembram deles quando chegam os pagamentos das décimas, as côngruas, as indulgências e outras coisas mais.”

E, assim sendo, resta-me dedicar esta modesta monografia dos costumes da minha aldeia do Nordeste do País aos seus habitantes, que vivem lá longe, atrás das fragas, longe de tudo e de todos. Penso, assim, ter prestado uma singela homenagem aos habitantes da terra dos seixos, das urzes, dos tojos, das estevas, do alecrim … De vez em quando muitos dos que aqui nasceram regressam para reatar os laços quebrados e assim dar continuidade à vida e pacificarem a sua consciência.

Todos nós temos no coração aquela aldeia querida que, por razões diversas e em determinados momentos das nossas vidas, nos deixou simplesmente nas nuvens! …Tudo à volta desta aldeia que nos marcou no passado e nos tornou no que somos hoje. Aquela aldeia que nos viu nascer, crescer, aprender, trabalhar, enfim viver! Até ao dia em que a vida nos obrigou a fazer escolhas duras, mas necessárias, para seguir aqueles sonhos de criança. Pesando na balança o que será mais duro, a busca por uma vida melhor, pareceu a decisão mais acertada. Voar alto, bem longe para outro lugar, onde moram promessas, acabou por ser uma ida, sem volta. 



Aquela aldeia que guardamos no coração deixa de ser a mesma, no dia em que decidimos partir, para não voltar. Nesse dia, ela ficou certamente mais pobre. Quanto mais o tempo passa, cresce a saudade e a vontade de voltar atrás reviver outra vez, aqueles momentos simples, inocentes, mágicos. Da aldeia nada resta, senão memórias de um tempo que não volta mais.

Depois de tudo o que foi vivido aqui na Aldeia, também este cantinho mudou. Todos vocês deram conta disso e por isso devo-vos uma explicação:

Quero partilhar convosco o que vai na alma… A emoção é a alma deste blogue. Chorámos, rimos, cantámos, rimámos, saboreámos, enfim há uma profunda partilha de vivências, memórias, pensamentos, frustrações, alegrias e tristezas. Para quem quiser ler e reler os magníficos textos que estão arquivados neste livro virtual.

Os residentes que restam ainda reina a esperança que um dia surja um D. Sebastião do interior da floresta, ou um Adamastor vindo das costas de Espanha e corte as amarras deste barco que parou no tempo e no espaço, para que o mundo acorde e avance. Ainda há aldeias por descobrir ou ignoradas neste país, mas que pagam os seus impostos em Portugal.

Mas deixem-me viver neste paraíso envolto numa névoa de sonho e fantasia, no meio desta explosão de verde, enredado em histórias e visões do passado. Apesar de tudo temos paz, a tranquilidade, o silencio, o ar puro, a liberdade e Solidariedade dos familiares, vizinhos e amigos.

Hoje, Argoselo e os Argoselenses esperam ansiosamente por melhores dias. Esta vila merece voltar a ter a mesma relevância que teve no séc. XX. Por isso, vamos unir forças, criar ideias e iniciativas para que Argoselo, assim como, todas as aldeias e vilas portuguesas não sejam esquecidas.

Estou sempre disponível sempre que quiserem. Podem também contactar-me via email:

argoselobartolomeu@gmail.com

Ilidio Bartolomeu









6 comentários:

  1. Louvor a esta Aldeia e a quem a sabe caracterizar e preservar tão bem.

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    1. Tudo o que escrevo e escrevi, é Paixão por tudo o que escrevo, por tudo o que é sentido.. prazer em tudo que sinto, em tudo que é escrito

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  2. E as lágrimas escorrem pela saudade da minha infância!

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  3. Eu voto no texto chamado Aldeia da minha vida - Meu Argoselo da autoria de Ilidio Bartolomeu. É louvável a dedicação o estudo e a paixão com que mantém vida a história de Argoselo. Parabéns pelo excelente trabalho que presta graciosamente a Argoselo e ás suas gentes.

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  4. Pela força e vontade em manter vivas as “recordações”, eu voto no texto chamado "Aldeia da minha vida, meu Argoselo" da autoria de Ilídio Bartolomeu. Obrigada por dar a conhecer a sua linda Vila! é um dos destinos que concretizarei, brevemente!
    Parabéns merece um louvor publico

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  5. Parabéns pela descrição da aldeia da sua vida! Gostei de ler e ver as imagens. Conheço a região, mas não a "aldeia de Argoselo"

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