quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

NÃO ME PERGUNTEM PORQUÊ!?…

Rua Principal de Argoselo anos 60

Tal como gosto que leiam o que escrevo, porque partilho a escrita e o pensamento com os meus leitores, sobretudo quando mais próximos, que me incentivam a escrever, me dão ideias, me abordam e presenteiam com comentários, sinceros, são esses que eu valorizo, naturalmente, também gosto de ler quem escreve bem, tornando-se uma mais valia para mim, para a minha motivação, para o sentir criativo do meu imaginário, das saudades… do passado.

Acredito que ninguém conhece melhor a sua aldeia que aqueles que lá nasceram e cresceram. Nasci numa aldeia onde as ruas cheiram a sol torrado no Verão e a lenha queimada no Inverno. É uma aldeia como qualquer outra, mas tem o seu quê de especial já que mais não seja pelo seu nome, quanto a mim, peculiar – Argoselo. Nasci lá por imposição da minha mãe a quem não passava pela cabeça que os seus filhos pudessem ter outra naturalidade diferente da sua. Gosto de regressar sempre que posso a Argoselo,  ver a humilde casa dos meus pais. Gosto de matar saudades dos cheiros. Nada cheira como a nossa aldeia, nada cheira como a nossa casa da terra!

Na minha aldeia os velhos no verão ainda espreitam sempre que podem a sombra nos bancos da Capela de Santo Cristo, contam as mesmas histórias de sempre. Mas gosto deles assim, lembram-me a minha mãe sentada numa pedra abrigada ao sol de inverno encostada  ao chafariz da Praça, que naquele tempo existia. a fazer na meia... Nasci em Argoselo mas sou do Estoril. Talvez por isso não consiga também viver sem o rebuliço desta grande Freguesia, do trânsito infernal, da confusão das ruas, do stress que se adivinha em cada pessoa com quem nos cruzamos. Mas este texto não é dedicado ao Estoril. Lembrei-me da minha Terra!!! Quando me canso de ensinar e de repetir as palavras preciso de vir. Venho muitas vezes. Aqui o tempo é outro, nem depressa nem devagar, apenas cheio de sentido. Não me perguntem porquê!!!

O Largo da Praça anos 60
Confesso que, tal como quando vim para o Estoril me custava a entender como havia gente que não “tinham aldeia”, também agora me interrogo como há pessoas que conseguem esquecer o “berço”, as origens, a terra onde nasceram. Da minha parte acontece o contrário. No meu pensamento, no sonho, na ação. Porque tudo se torna mais autêntico quando emerge do coração. Ande por onde andar, conheça o que conhecer, converse com quem conversar, Argoselo não deixarei de lembrar.

Dispenso-me de grandes apresentações. Já noutras alturas me demorei sobre os encantos deste lugar imperdível. Não vem no mapa, não se fala das suas gentes, não se lhe conhecem artefactos históricos.

O Planalto de São Bartolomeu, é apesar disso, um dos Santuários de paz de onde dificilmente saio a pensar nos problemas do costume. Aqui apetece somente o fervilhar do verde, apetece a respiração pura, avista-se com facilidade o horizonte leito do Rio Sabor, é uma vista maravilhosa, tudo  isto é belo é digno de ser visto e possui o seu inegável ar bucólico. Muitos, que assim pensam, vêm aqui em romagem para o retrato da praxe. Por estas bandas há também as lendas, as deliciosas fantasias que nem o desgaste dos tempos apagou. Há as tradições, as boas tradições que a distância de muitas das suas gentes tornaram mais sagradas.

Afinal, há mais gente que tem apelo das raízes e que concretiza a vontade e os sonhos de voltar, de lá estar, de conviver e partilhar. De rever os amigos, os familiares. De viver o desejo, de pisar chão, de sentir o cheiro da terra, agora já misturada com o alcatrão. O odor dos animais, o cheiro a feno, e muitas outras coisas mais, que nos transportam para um pensamento que nos faz recordar vivências de um outro tempo, já sem tempo.

Lavadouro da Espadana
Pudesse, com suficiente pormenor, contar a história de um lavrador, de um geireiro, de uma costureira, do latoeiro, do homem do ferro velho, do amola tesouras, do ferreiro, do sapateiro,  do alfaiate, do senhor reitor e teríamos aprendido o viver desta comunidade rural, espelho de muitas outras. Se queremos ir mais além na sua compreensão, então, temos de captar-lhe a alma, o sentir e o sentimento.

Não poderemos ficar no domínio das ações apenas, mas teremos que passar ao reino das paixões, de todas aquelas afeções nascidas na alma e que têm no corpo o seu palco: a alegria, o amor, a admiração, a glória e seus opostos. Por isso, o que oferecemos são memórias de pessoas e lugares, histórias quase reais, em que nunca saberemos onde começa a realidade e acaba a ficção. Importante mesmo é que motivemos o querido leitor a puxar pela memória, pela sua memória para poder «contar a si mesmo a sua própria história».

“Um blog perfeito que nos diga tudo é um blog inútil”. Esta é a boa razão que me levou ao atrevimento de poder apresentar-lhe este blog imperfeito, pedindo-lhe a si, leitor, que o corrija, cortando, acrescentando, discordando tanto quanto for necessário para «salvar a interpretação do seu conto». À medida que for lendo, contará a sua própria história reconstruindo a viagem que o levou até onde se encontra agora. Todos temos um paraíso perdido que é todo o tempo passado com tudo o que nele ficou marcado. A maior parte talvez tenha perdido o lugar onde nasceu, talvez uma aldeia como Argoselo e, no meio de todas as casas, a casa onde nasceu. E essa ficou para sempre a ser A Casa. A casa que um dia teve de deixar. A casa está na nossa memória como a conhecemos.

Festa de São Bartolomeu 1973
Morreram as pessoas que a habitavam. Um dia fechou-se para sempre até que, ano após ano, o vento, a chuva e o sol pacientemente, persistentemente, desgastaram os materiais. Primeiro foi uma telha e a seguir outra e outra até não haver mais; depois foi a porta e a janela até ficarem quatro paredes nuas. As silvas treparam pela porta e pela janela e lá dentro nasceu uma roseira; ervas cresceram acima das paredes e de forma tão perfeita se combinaram que quando se desdobram em flores a casa se transforma num arranjo floral. Um arranjo floral triste. Pela casa, pelas casas, pelas ruas, pelos largos, pelas gentes, por aí passa o conto das nossas vidas. As vidas da minha gente.

E se eu não esqueço a “minha terra”, a casa onde nasci e cresci, que me faz recordar um passado feliz e tudo o que ali vivi, obviamente que não posso esquecer as festas do mês de agosto.

E, aqui, não posso esquecer que, se os meus pais me incutiram, entre outros, os valores da identidade e da disponibilidade para colaborar com a comunidade, não é menos verdade que me sinto muito feliz por perceber que,  pela minha gente tudo isso é vivido com especial afetividade, o que vai certamente, sustentar a obrigação da  continuidade.

 

Ilídio Bartolomeu





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6 comentários:

  1. Olá !
    E é pena que a juventude actual não possa sentir estes prazeres. Penso que seriam diferentes!. PC´s, Telemóveis e outras tecnologias, são os divertimentos actuais!.Obrigado por este lindo texto, espetacular!.....

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  2. A nossa terra sempre teve a educação de bem receber, dar e agradecer.
    É isso que "quase" marca a diferença, a sua autenticidade e de apesar de uma grande aldeia, manter os seus pergaminhos.
    Terra aonde todos se conheciam e ainda se vão conhecendo.
    Aqui entra o "quase", por não serem todos, alguns renegam as suas origens de sucessores de gente humilde, como que envergonhados, outros tentam ganhar algo com a sua história.
    Pelo menos ainda tiveram a "coragem" de se esconderem pois nunca deram algo de digno à nossa terra e já se aperceberam que gente honrada não gosta de erva daninha..
    "Terra de gente trabalhadora, humilde e corajosa"

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  3. Parabéns, caro Ilídio Bartolomeu, por mais este belo texto que, connosco, partilha. Mudando o cenário, o da nossa infância e o atual, o seu texto poderia ter como autor centenas, se não mesmo. milhares, de outras pessoas que, como o Ilídio, demasiado cedo - mas eram as condições e situações da época - deixaram a sua terra, o seu torrão natal. Foi esse também o meu caso, como, certamente, o de muitos outros nossos conterrâneos, tenha sido sair da nossa terra para uma cidade do litoral ou mesmo do seu país para o estrangeiro - foi este o caso de outros menos afortunados que nós. Hoje, vivemos a ambivalência, essa cisão interior, que tão bem descreve, entre o passado e o presente, a infância e a vida adulta, quiçá mesmo a entrada na velhice, entre a terra e/ou país onde nascemos e aquela/e onde agora vivemos e onde passamos a maior parte da nossa vida. Porém, quando nos perguntam qual a nossa terra, tenho a certeza que todos nós diremos ser aquela onde nascemos e passámos a nossa infância, aquela/e a que os laços familiares nos ligam e prendem. E, sempre que podemos - talvez não tantas vezes como desejaríamos - lá vamos nós matar saudades dos nossos familiares, vizinhos e amigos na localidade onde estão as nossas raízes. Um abraço.

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  4. Corrijo de "(...) autor centenas, se não mesmo. milhares, de outras pessoas (...)" para "(...) autor centenas, se não mesmo milhares, de outras pessoas (...)"

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  5. OLA ILIDIO e com muita atencao que leio as tuas pubilcacoes que escreves no teu site de Argozelo pois na proxia vez deves escrever sobre a nossoa estadia curta na floresta em Montezinho no ano 1961 penco que esta data esta correta sobre o tio CACOLEIRO . um abraco meu chicao





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  6. Agradeço os comentários.
    Adoro tudo o que Argoselo tem de bom e lindo. E, também adoro fazer este trabalho! Aos poucos e poucos aprendi muita coisa, já fiz alguns erros, mas consegui algo que me dá muita satisfação: um instrumento de comunicação onde guardar pedacinhos da nossa história e onde se revive aquilo torna Argoselo tão especial.
    Só tenho pena que muitas coisas hoje bonitas percam toda a beleza, se não existir vontade, para a cuidar.
    Obrigado a todos
    abraços

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