Uma viagem a um passado que desembarca no nosso presente com os conflitos de guerras, migração dos povos, divisão de classes e poder...
Na minha aldeia, a vida tinha um ritmo próprio, harmonioso pela labuta e pelos prazeres simples. Acordávamos com o canto do galo, o sol a espreitar por entre as frestas da janela e já sentia o aroma do caldo escoado que a minha mãe preparava. Era essa sopa de batata e cebola, ou de couve galega tão corriqueiras nos nossos jantares, que nos unia à mesa. O pão às vezes duro, enquanto as batatas cozidas são acompanhadas com um belo pedaço de toucinho frito ou chouriço cozido, que sobrava do almoço. Tudo tinha um sabor inconfundível, que trazia à tona a essência de um tempo em que os sabores da terra se misturavam aos abraços fraternos à mesa.
Na época da colheita, éramos todos convocados para trabalhar. O transporte das colheitas para o palheiro era uma tarefa que exigia força e determinação, o que tornava o acarrejo mais do que um simples dever: era um momento de celebração e união. A matança do porco era um desafio para os mais novos; tentávamos agarrar aquele pedacinho de carne escorregadio antes que ele escapasse para o chão, rindo das nossas tentativas falhadas
As tardes eram preenchidas por jogos de bugalhos – aqueles berlindes de carvalho. Ouvia-se a agitação enquanto as crianças se divertiam, correndo por entre os campos, armados com as nossas “bugalhas”. Entre risos e corridas, os socos calçados batiam contra o chão, enquanto uns se aventuravam a andar de socos, outros andavam de alpargatas de pano que deixavam a marca no pó da rua.
Os burros, atrelado ao cambão, rodava os alcatruzes da nora, numa dança que remetia ao labor incansável da vida no campo. Era um espetáculo ver como a força dos animais se aliava à sabedoria da natureza. E ao observá-los, sentia que havia magia na simplicidade daquela rotina.
Mas nem tudo eram sorrisos; havia momentos de consumição e consumida preocupação nas famílias. Afinal, a vida no campo trazia as suas dificuldades. As trocas de produtos com as aldeias vizinhas, por caminhos estreitos, eram uma arte, um contrabando que envolvia também a candonga – era sobreviver com o que tínhamos e assim crescia um espírito de camaradagem neste comércio dissimulado entre as terras.
Nas conversas da aldeia, ouvia-se falar da canalha e da canalhita, as crianças que cresciam ao nosso lado e erguia-nos a esperança. Elas eram a esperança das nossas tradições, os catraios que se divertiam, enquanto os adultos se ocupavam com as suas agruras.
E assim, me lembro das cornijas que se destacavam nas paredes das casas como se estivessem a proteger a história de cada lar. Cada uma dessas lembranças é um um testemunho de uma vida que, com todas as suas dificuldades e alegrias, sempre me fez sentir que pertencia a um lugar único.
Hoje, ao recordar esses momentos, dou-me conta de que a vida continua a ser essa dança de emoções, uma perpetuação de histórias que se entrelaçam como as raízes dos carvalhos que, tal como eu, foram crescendo e florindo em solo fértil.
Se eu podesse voltar atrás e escolher fazer diferente, ainda sim faria tudo igual.. Porque tenho orgulho de quem sou hoje!
Blog freixagosa
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