Mais uma
História sobre Argoselo que vem no seguimento de personagens que contaram
histórias mais ou menos reais, que se intitulavam “José Vasconcelos”. Tive
curiosidade em saber mais quando para minha surpresa, remete para alguém falecido
há 76 anos e que está ligado à História da nossa querida terra! Leiam com o
interesse que melhor vos aprouver.
José Leite de
Vasconcelos era beirão de nascimento. Nascido muito próximo da fronteira sul da
área dos dialetos transmontanos e alto-minhotos (Cintra e Rei:1993) portanto,
com conhecimento científico e empírico de algumas particularidades dialectais
que pretendemos tratar. Nasceu na localidade de Ucanha, Mondim da Beira, a 7 de
Julho de 1858, e viria a falecer em Lisboa, a 17 de Maio de 1941.
Como Autor de
obra vastíssima, é considerado um linguista, filólogo e etnógrafo.
Algumas das suas obras que constam da bibliografia das notas monográficas do
concelho de Vimioso: Religiões da Lusitânia; Estudos de Filologia Mirandesa,
1900, 2 volumes; O dialecto Mirandês, 1882; Línguas raianas de
Trá-os-Montes, 1886; Flores Mirandesas, 1884; Silva Mirandesa, 1903; Dicionário
da Corografia de Portugal, 1884. Na página 42, pode ler-se e passo a citar
Adrião Martins Amado:
“Li há pouco na
página 315.ª da Etnografia Portuguesa do Dr. J. Leite de Vasconcelos o
seguinte: «Argozelo, em Trás-os-Montes, compõe-se de 3 bairros principais: de
Cima, de Baixo, do Latedo: o primeiro e o segundo acham-se ligados entre si e
unicamente o terceiro fica algo afastado numa encosta, para lá do riacho do
Prado, que corre num vale. Os bairros de Cima e de Baixo habitam-nos lavradores
e comerciantes, e num deles ergue-se a igreja matriz: o do Latedo ocupam-no
Judeus (há muitos em Argoselo como se dirá a seu tempo).
Não sei onde o sábio
autor colheu tais informações. Não foi, decerto, em escritos do Prior Miranda
Lopes que, enviando informes sobre a nossa terra natal para o Dicionário
Corográfico de Portugal Continental e Insular, disse: «O bairro-do-latedo, o
mais pequeno da povoação, pois tem apenas nove fogos. É também antigo» - E
ainda: (sublinhado e negrito meus) alguns escritores, levados por falsas
informações, imperfeitas observações e ligeiras operações antropométricas,
afirmam que em Argoselo predomina a índole, o carácter e o tipo da raça semita
e que há aqui mil cripto-judeus. É leviana e falsa uma tal afirmação. Em época
muito remota, vindos de Espanha, abordaram efetivamente a Argoselo alguns
judeus; mas foram logo perseguidos pelas autoridades e naturais do lugar que nem
sequer os admitiam nos cargos e funções públicas, chegando a haver entre uns e
outros conflitos armados, ficando vencedores os naturais do lugar; e se alguns
aqui ficaram, converteram-se e talvez nem chegassem a constituir família,
porque os naturais do lugar não uniam a eles pelos laços do matrimónio.
«Note-se também
que Argoselo foi terra de muitos padres, mesmo durante a época em que a
perseguição aos judeus era violenta. Só nos livros do registo paroquial de
1751-1800 encontrámos notícia de 28 sacerdotes naturais desta freguesia. Ora é
sabido que nos processos de ordenação eram excluídos, até à quarta geração,
todos aqueles que fossem judeus os descendentes da sua raça. Na árvore
genealógica de cada indivíduo, até ao quarto grau, entram oito troncos ou oito
famílias ou dezasseis pessoas. Multiplicando esse número por 28, temos nos
processos daqueles sacerdotes 448 representantes de famílias de puro sangue
cristão – e isto na altura em que esta povoação tinha apenas 150 familias».
Por tudo isto
conclua-se: o Latedo de Argoselo nunca foi ocupado por judeus. (final de
citação)
A ser verdade
que José Leite Vasconcelos recebeu a informações do Prior Miranda Lopes que
alertava para alguns escritores, levados por falsas informações, imperfeitas
observações e ligeiras operações antropométricas, afirmam que em Argoselo
predomina a índole, o carácter e o tipo da raça semita e que há aqui mil
cripto-judeus. É leviana e falsa uma tal informação.”
Falsas
informações (de quem?) imperfeitas observações (por quem?) e ligeiras operações
antropométricas (já se podia fazer outro tipo de medição?) Quem tinha interesse
em veicular essas falsas informações?
Por que razão o
Prior Miranda Lopes classifica de “leviano” e “falso” o indício que Argozelo
foi terra de mil cripto-judeus? O que terá José Leite Vasconcelos levado a
desconsiderar tal informação? Não seria credível a fonte? Estaria a mentir? Se
sim - com que pretexto?
É desconcertante, no seguimento da explanação do religioso, ter referido que “
Em época muito remota, vindos de Espanha, abordaram efetivamente a Argoselo
alguns judeus; mas foram logo perseguidos pelas autoridades e naturais do lugar
que nem sequer os admitiam nos cargos e funções públicas, chegando a haver
entre uns e outros conflitos armados(…)” Conflitos Armados?! Como foi possível?
(tipos de armas, número de feridos e mortes)
Uma invasão de
judeus hostis que tiveram de ser rechaçados por bravos lavradores crentes em
Cristo armados de machados, foices, espalhadouras e calagouças e até
estadulhos!?
Uma brigada de
infantaria de proteção das fronteiras do Reino, numa incursão não programada
tratou de despachar à bastonada homens, mulheres, jovens e crianças de igual
forma e mandaram os judeus todos para Carção? Será que foram aceites numa
primeira fase e depois, por já não terem dinheiro para os vícios fora expulsos
das tascas e mandado para Carção?
Mais à frente
(P. 45) referem-se queixas de cristãos velhos aos representantes da Igreja
pelos cristãos novos pegarem nas varas do palio nas procissões do Santíssimo Sacramento.
Coitados, se vissem a falta de pessoal que há hoje para levar o palio não se
queixavam tanto!
Está aqui
matéria deliciosa para uma peça de teatro – em Argozelo sempre foram muito
dados a essa arte.
Escrito por
Luiz
Rodrigues
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