Já escrevi umas
quantas cronicas e embora não saiba quantas, sei que o tema ceifa e os
ceifeiros, ainda não foi abordado. Claro que eu não sou entendido nesta área e
vou apenas escrever as minhas lembranças de garoto quando o panorama se
apresentava num princípio de que eu considerava maravilhoso.
A época de
trabalho mais intenso é a que vai de meado de julho a meado de agosto. Todos
trabalham de manhã até pela noite adiante. Todos, homens e mulheres, velhos ou
mais novos, ninguém está ocioso. Nestes dias não há desempregados, ninguém
pensa nas 8 horas de trabalho, privilégio das cidades e ainda bem, porque se os
agricultores seguissem essas modernas utopias, perdiam-se grande parte das suas
colheitas. O relógio deles é o sol. E os seus vigorosos braços é a força do
trabalho.
As ceifas eram
executadas, conforme a dimensão das searas, por ranchos de trabalhadores,
contratados para executar esse trabalho para um determinado proprietário.
No caso de
searas menores, os ranchos eram formados em parceria que basicamente quer
dizer: trabalho para ti e tu para mim a seguir.
Mas a maior
parte dos casos os ranchos que iam fazer a ceifa para fora, organizavam-se para
esse efeito, tinham direito a comida, bebida e alojamento precário é certo, a
fornecer por parte do proprietário, com as consequentes reduções nos custos.
Estes ranchos
eram formados por homens e mulheres, rapazes e raparigas em quantidade variável
conforme as necessidades, e cada um deles fazia acompanhar-se dos respetivos
instrumentos de trabalho, a foice, as dedeiras e o chapéu de palha. A foice,
como o próprio nome indica, destinava-se a ceifar, isto é a cortar. As
dedeiras, por norma de cabedal revestiam apenas dois dedos, aqueles que teriam
mais probabilidade de virem a ser atingidos pela foice num momento de descuido
ou de cansaço.
Cada
trabalhador protegia-se do sol com chapéus de palha, seguros ao queixo por
fitas ou elásticos e usavam às vezes, lenços ao pescoço. Estes lenços
destinavam-se a limpar o suor que, com o avançar do dia e o trabalho, ia
surgindo por todo o lado sendo mais visível principalmente na cara e no
pescoço.
Os homens
recebiam mais dinheiro que as mulheres e por norma executavam tarefas mais
pesadas, embora por vezes também ceifassem.
É que, na ceifa
é preciso ceifar, colocar em pequenos montinhos cada mão cheia que se corta,
juntar depois os montinhos em montes maiores, e atá-los com o próprio centeio
em molhos (Colmos). Depois são feitos pequenos montes (Bornais) no próprio terreno a secar,
enquanto não se faz a acarreja com os carros de bois ou mulas (mais tarde com os tratores) para a eira
(sirvo-me dos termos que o nosso povo usa).
Durante a ceifa
os trabalhadores cantam cantigas populares, a que nós chamamos: cantigas da
segada que acompanham o ritmo dos braços e que, a cada mão cheia de centeio
ceifado se erguiem para a colocar ao lado, para de novo se baixarem para
cortarem a próxima mão-cheia. Regra geral era no final ou começo de cada novo
par de regos que os trabalhadores se hidratavam bebendo água ou menos
frequentemente vinho. Na altura da ceifa o calor aperta e, água é melhor que o
vinho.
Quando chegava
a hora de almoço que coincidia com a altura do dia em que o calor era mais
forte, almoçava-se à sombra de árvores que por norma sempre havia na zona das
searas. O almoço era servido no local de trabalho e era por princípio
constituído por carnes, enchidos e bacalhau.
Os trabalhadores, principalmente na minha infância comiam todos do mesmo
recipiente que era colocado no chão, em cima de uma toalha que por sua vez era
colocada em cima de uma manta de trapos embora cada um com uma colher ou um garfo. Por regra comia-se com o garfo e na
mão esquerda segurava-se uma fatia de pão.
Terminado o
almoço, a que se chamava jantar, os trabalhadores descansavam algum tempo à
sombra esticando-se no chão ou em cima da palha muitas vezes com o chapéu de
palha a cobrir a face que, deitado o corpo ficava virada para cima. Não
demorava muito tempo este intervalo do jantar mas por norma preenchia o tempo
de mais calor.
De seguida,
tudo voltava ao mesmo ritmo que da parte da manhã tinha sido iniciado, e que só
terminaria quando o sol se pusesse. A meio da tarde ainda se parava para
merendar, que consistia em comer algo de natureza mais seca: Pão com chouriço,
presunto e queijo. Mas nesta refeição o tempo era relativamente curto e não
havia descanso.
À noite, comia-se a ceia já em casa, e os trabalhadores iam dormir para descansar e recuperar forças para o dia seguinte.
À noite, comia-se a ceia já em casa, e os trabalhadores iam dormir para descansar e recuperar forças para o dia seguinte.
Depois da
noite, ainda antes do nascer do dia, matava-se o Bicho, a que agora se chama o
pequeno-almoço e os trabalhadores dirigiam-se de novo às searas para continuar
a tarefa que nos dias anteriores tinham iniciado e que não estava concluída.
Na verdade
, a ceifa é trabalho algo árduo e duro. É preciso ter boa têmpera, estar
habituado a suportar o calor de brasa que cai do céu para aguentar esse
trabalho, essa luta heroica do homem com a terra.
Só quem ainda
não viu na maior calma, os ceifeiros, homens e mulheres (que as mulheres também
estão habituadas a estas duros trabalhos.
Hoje estes
ritos quase não se usa, e os objetos apodrecem sob pena de nenhum ficar como
relíquia de museu.
Ilídio
Bartolomeu
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