quinta-feira, 20 de maio de 2021

SER EMIGRANTE, É PASSAR NOITES MAL DORMIDAS…


Até aos anos 60 as pessoas emigravam para o Brasil. A partir desta década começaram a emigrar sobretudo, para a  Europa, particularmente Espanha, França, Alemanha e Suíça.

Já se falou muito sobre este tema. Mas todas as abordagens que se fazem são sempre diferentes, por serem diferentes os intervenientes em cada momento e local desta região. No caso do Ambrósio “nome fictício” a partida para França era a primeira da sua terra. E a primeira é sempre mais dolorosa e difícil que as restantes.

Há algum tempo que o Ambrósio tinha colocado na sua cabeça a necessidade de ir trabalhar para terras diferentes da sua, pois na sua não conseguia ser retribuído de forma a dar à sua família uma melhor qualidade de vida. Na sua aldeia como em todas as outras a fome apertava. Fruto que os trabalhos no campo lhe proporcionavam, fosse a cavar terra, fosse a cortar e transportar lenha, fosse a arrancar as batatas, cavar as vinhas e tantas outras sessões que de forma gratuita estavam disponíveis naqueles tempos e locais  que geralmente todos os habitantes frequentavam.

Mas, como tinha nascido para trabalhar e trabalho era coisa que não lhe metia medo,  então resolveu ir para França. Foi falando com quem podia orientá-lo e estava prestes a iniciar uma parte da sua vida deveras complicada. É que naquele tempo ir a salto para França era um crime punível pelo regime e por isso tudo era tratado clandestinamente. Aliás coisas tratadas de forma clandestina são uma garantia para quem as trata e nenhuma garantia dão aos eventuais tratados. Isto é se a coisa desse para o torto e algum fosse preso, naturalmente que apenas ele era sancionado.

É importante referir, para que se perceba esta prosa, que na aldeia o Ambrósio era o primeiro que partia… para  França, não sabia uma palavra de francês e não tinha ninguém à espera dele lá.  Tinha que descobrir tudo num local onde ninguém o entendia, e passar perigos na viagem que certamente alguns um dia contarão.

Passados alguns anos,  o Ambrósio voltava na altura do natal que passava invariavelmente com os filhos e a mulher na casa que ambos tinham construído na aldeia e que já tinham dotado de condições sanitárias. Voltou apenas quando já tinha pago tudo o que devia a quem lhe tinha emprestado.

Isto aconteceu há 60 anos, e o filho Ambrósio lembra-se perfeitamente da despedida do pai como se fosse hoje. Claro que o Ambrósio já se não lembra, pois o campo do silêncio da aldeia há muito que o reclamou e obteve para si a tempo inteiro. Mas, mesmo hoje, tenho dúvidas que o Ambrósio esteja a descansar. Ele sempre trabalhou e não é certamente a morte que lhe vai tirar esse hábito!…

Há pessoas que pensam que a vida de emigrante é fácil pois não imaginam o quanto é difícil estar longe daquelas pessoas que amamos, isto porque nunca saíram da sua "zona de conforto" para ir à luta de uma vida melhor, num país que não é o nosso.

Há quem se queixe que trabalhe longe e só pode ir ao fim-de-semana a casa para estar com a família e os amigos, eu também já fui uma delas, mas acreditem que é muito mais difícil estar a milhares de Km de distância, e só poder estar com quem amamos uma vez por ano.

E se hoje estamos aqui, é porque infelizmente Portugal não nos oferecia a vida estável que tanto precisávamos... É preciso tomar decisões, lutarmos por algo melhor, e acreditarmos que no final tudo irá dar certo! Mas acreditem, que há dias bons, há dias menos bons, há dias em que sabemos que isto é o melhor para nós.

A vida de emigrante não é fácil, não é uma vida de luxos e extravagancias como muitos pensam. É preciso ter muita coragem, força e determinação para deixar tudo em busca de uma vida melhor num país que não é o seu.

Podem acreditar só quem passa por uma situação dessas é que sabe o enorme sacrifício que se faz. Eles não vivem, apenas sobrevivem, eles até podem estar noutros países, mas o coração deles está aqui, no seu verdadeiro cantinho.

Este mundo está cheio destes heróis e heroínas, emigrantes e imigrantes, homens de H grande e mulheres de M grande que lutam pela vida.

A todos esses homens e mulheres de letra grande, eu desejo a maior sorte e felicidade.

Ilídio Bartolomeu

 

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