terça-feira, 24 de julho de 2001

OS LUGARES SÃO FEITOS DE GENTES E DE HISTÓRIAS!



Argoselo, foi um nome variável ao longo dos séculos e, o que a tornou célebre pelas belezas naturais, economia agrária, comercio e água em abundância. Um dos meus sonhos sempre foi escrever a minha terra. Começar por uma ponta, desde o Santo Amaro e acabar no São Sebastião, tão bonita tem estado ela nestes soalheiros dias de verão. A minha terra, na verdade, é um bocado raiano da metrópole. Fui percebendo, ao viver e ao pensar, que a terra está dentro de mim. Melhor dizendo, a minha terra também sou eu, enquanto cá estiver, e tudo o que nela deixar.

Este é o olhar de uma pessoa que olha para os meus conterrâneos de uma certa maneira. E isso é bom. Sermos olhados por outros olhares. Ajuda-nos a afastar os hábitos que temos”. Uma exposição de gentes, seus olhares, seus afazeres, suas alegrias e onde o sagrado e o profano convivem lado a lado. Na aldeia da minha vida, cresci a ouvir cantar os pardais, os galos, os cães a ladrarem, o som do tilintar das campainhas das vacas, do chocalhar de cabras e ovelhas, de passear nos tradicionais carros dos bois e a cavalo nos dóceis burros. À medida que fui crescendo, ia-me deliciando a ouvir histórias do meu tio Porfírio, homem de personalidade forte, enquanto contava, deixava-me impressionado com o que estava a ouvir e tinha a sensação de medo, é claro que tudo eram fantasias.

Casa de Peleiro

As brincadeiras na rua nunca cansavam e nunca aborreciam. Começavam de manhã e só terminavam ao sol posto. Havia vida nas ruas e todas as pessoas falavam umas com as outras. As festas na aldeia eram grandes acontecimentos sociais e as pessoas reuniam-se todas para festejar. E claro, ao domingo ninguém esquecia a missa e depois dava-se dois dedos de conversa no adro da igreja. Antes da chegada da televisão era assim, mas depois, tudo isto mudou e agora com os telemóveis nem se fala…

Voltar a estes tempos únicos é simples, mágico e só quem passa pela experiência é que consegue perceber o impacto que ela pode ter em nós.

Reiterar a estes tempos é voltar a um tempo em que tudo passa mais lentamente, com mais calma e mais paz. E mesmo devagar, havia tempo para tudo.

Só conhecendo as nossas raízes e a nossa história é que podemos, efetivamente, crescer e ter sucesso no presente e no futuro. Hoje, temos o Google para nos ajudar com todas as nossas dúvidas. Mesmo assim preferia-se os sábios conselhos dos anciões, portadores do seu conhecimento adquirido pela experiência de vida, que ainda desprovidos de instrução escolar tinham muito para ensinar.

A minha aldeia, possuía um Património valioso. Tinha os pelames que graças aos emigrantes judeus vindos de Espanha os construíram, e os que lhes seguiram foi o seu ganha pão, dava trabalho a muitas pessoas. Até metade do século XX, consumíamos a água das fontes e comíamos o que a terra dava. Tratavam-se as doenças com plantas do campo, sopas de cavalo cansado,(malgas de vinho com pão e açúcar), bagaço e mel. A morte ia roubando os mais fracos; e os que resistiam, alguns chegavam a viver quase cem anos.

Na Aldeia da Minha Vida interiorizou-se o princípio de que nem só de pão vive o homem. As vivencias justificam a sua existência. Preservar as tradições. Os lavradores matavam um ou dois porcos, nos fornos cozia-se o pão de trigo, centeio ou de mistura, folares de carne ou sem ela, a assar cabritos, frangos e outros petiscos que nos faziam crescer água na boca.

Quando eu era novo, a juventude era muita… os rapazes estavam na espreita a ver onde é que as raparigas andavam para irmos ter com elas e esperá-las. Elas iam lavar a roupa nós íamos lá ter, se elas iam á fonte nós metíamos pedras dentro do cântaro, elas tiravam-nas e apedrejavam-nos. Quando estavam a encher o cântaro na bica, sacudíamos a água do tanque para dentro do cântaro e elas despejavam, mas por vezes atingiam-nos com a água e ficávamos molhados depois riam-se de nós. Mas o prepósito era fazer patifarias para que elas estivessem mais tempo ao pé de nós.

Cruz Judaica

A aldeia, que outrora era próspera na agricultura, criação de gado e volfrâmio, começou a perder habitantes: uns emigraram outros faleceram na aldeia que os viu nascer.

Em gerações passadas, sobretudo nos anos de 1950 a 1990, a aldeia de Argoselo contava com os maiores números de habitantes de que há memória, chegando a ajuntar mais de 45 adultos todos os anos á inspeção para a tropa. As memórias destes tempos são as mais estimadas pelos habitantes que as viveram, pois relembram os anos de ouro da aldeia.

As pessoas dedicavam-se ao cultivo das terras e à pastorícia, sendo que em 1965 a aldeia contava com mais de 1.500 habitantes permanentes. Hoje o número de campos cultivados é cada vez menor e gado quase não existe. A aldeia que hoje é Vila, tem uma população mais ou menos 400 habitantes.

O que está a acontecer nesta Vila de Argoselo, é um fenómeno que se repete em várias aldeias e vilas portuguesas. Os descendentes mais jovens procuram ir viver para locais mais urbanizados, as pessoas com maior idade que ficam, deixam de poder trabalhar devido a doenças e à falta de familiares que os ajudem. As vilas e aldeias perdem vigor e vão ficando esquecidas, até que perdem os seus últimos habitantes e eventualmente ficam abandonadas.

Os que escolhem sair da aldeia (vila) fazem-no quase sempre à procura de um futuro melhor. No entanto, há aqueles que continuam a visitar regularmente a vila sem nunca se desfazerem dos bens materiais como casas, que ainda possuem.

Em Julho visitei a Vila, serviu para relembrar os tempos da minha infância e juventude, reconheço que, no meu ponto de vista, a aldeia (Vila), que outrora era próspera, nunca mais tornará a ser o que era. Trata-se de um lugar que quase parece ter parado no tempo. A realidade da Vila de Argoselo, estende-se a muitas outras Vilas no interior do país.

Elevador do Poço das Minas


Hoje, dia 24 de Julho do ano 2022, a minha aldeia (vila) é de longe, a mais bonita, pouco progressiva mas, aja esperança. Enfeita-se com alguns belos jardins das casas dos emigrantes, os campos, montes e vales vão-se ajustando aos nove meses de Inverno e três de Inferno. Na minha aldeia (vila) faz-se história e vive-se a história dos antepassados com amor e alegria, que o diga a Associação Cultural do Bairro de Baixo. Se há outra digam-me (excluir Bola)

Era neste espírito que se vivia na aldeia, mas no fundo é neste espírito que todos devíamos viver porque o homem foi feito para viver em sociedade, pode viver isolado do grupo mas não é tão feliz nem tão bem-sucedido.

E como é que podemos recuperar essas raízes e essas partes de nós?

A minha aldeia, que é Aldeia (hoje Vila) da Minha Vida, está de braços abertos para vos acolher.

Ilídio Bartolomeu


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