A senhora é-me
conhecida, o burro e a carroça também e a paisagem familiar. Diria que é a
estrada que vai da aldeia de Outeiro para a Vila de Argoselo. Cada vez mais
rara, esta é uma cena típica da Vila. Em termos históricos (sim, a
História também é feita por carroças, burros e pelos seus proprietários) este
tipo de transporte surge nos anos sessenta quando começa o êxodo migratório
para França e os lavradores se desfazem da possante e pachorrenta junta de
vacas, do respetivo carro (maciço, pesado, de rodas de meia lua em
madeira cravejada de ferragens), do arado, da charrua e demais arreios pondo
termo a uma economia secular do trato de centeio, da cultura de regadio
(sobretudo a batata mas também o linho) e da vinha complementada com o gado. Na
impossibilidade de continuar com uma estrutura tão pesada - é mais difícil
alimentar uma vaca do que meia dúzia de burros - as mulheres que ficaram
encontraram uma solução: o burro e a carroça.
Se quiser viver
no interior e quiser prover ao seu integral sustento esta é a situação ideal.
Sem estar dentro dos preços, diria que com dois ou três mil euros terá carroça,
burro e respetivos arreios e acessórios. Com o burro tem assegurado um
transporte seguro, barato e não poluente. Poderá fazer uma economia circular,
uma agricultura inteiramente biológica, sem emissões de dióxido de carbono.
Com o burro
poderá lavrar a terra, transportar todo o tipo de produtos, incluindo o estrume
que ele abundantemente produz e ter uma agricultura próspera, fazer uma
cultura de regadio à custa do burro, (arranje uma horta que disponha de uma
nora). Então, se começa a ficar entusiasmado, comece o projeto. Eu sugiro
que vá para o interior, para os designados territórios de baixa densidade, de
preferência para uma das 22 localidades do Concelho de Vimioso. Aqui tudo chega
mais tarde ou nem sequer chega, como acontece com o vírus que graça por todo o
planeta. Todas as aldeias têm os seus encantos naturais, a sua identidade, a
sua história. Poderá optar por comprar a casa onde quer viver ou poderá
arrendar (há muita oferta). Poderá comprar um terreno, arrendar ou até alguém
lhe poderá ceder através de um contrato de comodato ou sem contrato. Depois
decida se compra um burro ou uma burra. Para além da casa, do terreno, da
carroça e do burro não se esqueça de comprar, uma albarda. E, claro (não
compre, arranje você mesmo) uma vara que para além de conduzir a besta lhe virá
a ser muito útil como, com tempo, descobrirá. Como irá descobrir muitas outras
coisas. Mas isso também faz parte da parte interessante.
O burro é um
animal frugal, comunicativo, muito resistente, inteligente e bom
companheiro. Não compre relógio ou despertador porque ele é que lhe vai ditar o
tempo. E acredite que se a voz de burro não chega ao céu, ela chega mais longe
que qualquer outra.
Ilídio
Bartolomeu
Bem visto! Contudo, peço desculpa pelo alerta e pela seguinte sugestão de retificação do texto: de, onde, nas linhas 7 e 8 do 3.º §, se lê "dez aldeias", para "22 localidades" ou, então, para "dez freguesias e uniões de freguesias". Um abraço, caro Ilídio Bartolomeu.
ResponderEliminarParabéns pelo momento de reflexão, com muito humor! Momento mais que gratificante. É realmente um conhecedor da nossa Aldeia. Nunca em toda a minha vida pude presenciar um momento (mágico) como este. Excelente crônica, momento riquíssimo! Obrigado, e que o sr. Ilídio tenha muita saúde para que possa escrever muitas vezes para nos dar a conhecer cada vez mais Argoselo
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