domingo, 12 de fevereiro de 2023

AS MINAS E OS MINEIROS DE ARGOSELO

As recordações de infância, aparentemente, adormecidas eternamente, surgem-nos muitas vezes de forma tão clara e saudosista, como que um convite a materializá-las para não mais serem esquecidas. Foi este estado de espírito, que me levou a pegar na caneta e escrever este texto recordando os mineiros da minha aldeia há anos atrás.

As Minas de Argoselo, guardam a história de uma aldeia que nasceu e cresceu com a exploração de volfrâmio e estanho. Antes da exploração mineira, apanhava-se o volfrâmio a céu aberto no alto da cabreira e no ribeiro que corria desde Vale de Milhos, até ao Prado, e no  final do dia vendia-se aos farristas que eram contrabandistas.

“Nos anos 40 um quilo de volfrâmio chegou a valer mil escudos (cinco euros) Muitos enriqueceram, com o dinheiro do negócio do Volfrâmio. Conta-se que havia homens que fumavam notas enroladas como demonstração da abundância deste. Um quilo de volfrâmio é uma pedra muito pequena”, referiu  José da Bota .

A exploração mineira na região de Argoselo foi um fator condicionador socioeconómico durante a época áurea da exploração do volfrâmio. Esta atividade levou a muitas pessoas a empregar-se nas minas, que viviam da agricultura de subsistência, nutrindo a esperança de algum dia conseguirem melhores condições de vida. 

Veio gente de várias regiões do país, que aqui fizeram vida. A empresa contratava mineiros, serralheiros, fundidores, torneiros, eletricistas, carpinteiros. «Havia de tudo!». A todos os trabalhadores de fora era oferecida casa, água, energia elétrica e médico. Chegou a mobilizar 250 trabalhadores e deixou memórias de um trabalho difícil a 170 metros de profundidade.

“À volta das minas nasceu uma aldeia com tudo. Era um oásis no concelho, era a aldeia mais desenvolvida da região, era procurada por muitos trabalhadores e famílias que viviam com dificuldade”, A Mina, é inegável, trouxe para a população (nessa altura) um nível de desenvolvimento e rendimentos muito acima do vivenciado no resto do concelho ―salientou “João Lasgueira”.

Na mina trabalhava-se 24 horas por dia, divididas em três turnos de oito horas. Eram cerca de uma centena os trabalhadores por turno. Os ordenados eram parcos. «Vinte e três escudos por dia»  para alimentar as famílias. Também trabalhavam na horta, quando saíam da mina ou das oficinas. À noite esqueciam as misérias na taberna, onde se bebia uns copitos «Viveu-se assim muitos anos», conta o “Luiz do Janta”

Talvez seja de interesse histórico falar numa personagem de seu nome Aníbal Farinha, que era o principal capataz na mina que segundo os antigos daria para escrever um guião para um filme com as peripécias deste carismático e polémico ao nível do far west, desabafo de Manuel  Batita.

Lembro mais alguns mineiros da nossa terra, falecidos ou que ainda estão entre nós, gente que também quis ser feliz, teve sonhos, anseios e ambições. A minha singela homenagem. Pena que só hoje consiga carregar nos pedais da memória e puxar alguns fios soltos de remotas e às vezes delidas lembranças. Então aí vai:

Minante, Judas, Boeira, Mixa, Manulo, Carrasco, Manuel Batita, Carrega, Perséguia, José da Bota, Carriço, Catralipio, João Lasgueira, Lameiras, José Vitobo, Daniel Caipira, Luis do Janta, Mudo da galha, Daniel Caipira, Diamantino Capela, Mula, Vai na Brasa, José Calado,  Barrecas, João Carreche, Moda, Augusta do Lalão, Vitoba e Bernarda do Nelo.

Com o final da exploração todo o complexo foi abandonado na sequência da queda dos preços do minério, foi tudo «desmantelado e vendido ao desbarato». Naquilo que teve de positivo e negativo, e no significado que representa referente ao legado e à herança do sítio mineiro e industrial, traduz-se, hoje, acabado o ciclo. Uma nuvem negra abateu-se sobre a Aldeia.

A boca da galeria de Leitarães, que é agora entrada. É uma entrada para um mundo misterioso, de escuridão, que entra pelas entranhas da terra adentro, esventradas outrora, à custa de explosivos e da força bruta dos homens. Força suada e esforçada, consumidora da vida, onde os dias se transformavam em noite e o breu da mina era mais escuro do que a escuridão da noite mais escura.

Todavia, as consequências económicas são as únicas que causam angústia e receio. Hoje, restam ruínas. Da entrada da mina, das oficinas, dos poços de água. Se as pedras ficaram, os homens partiram. Emigraram, palavra que se ajusta como uma luva ao Portugal dos anos 60. Foram para França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Canadá. Outros ficaram por cá. Agora, a localidade é uma vasta sombra do passado glorioso.

Sequelas nos mineiros foram muitas, os que morreram intoxicados nas minas. E ainda hoje, a população mineira sofre as consequências tardias do contacto, dia após dia, com o tufo, os resíduos de pólvora que era utilizada para abrir galerias, e outros produtos tóxicos.

As mesmas imagens de abandono, de desemprego, de poluição, de desastre ambiental. Numa frase: a forma como não se deve fechar uma mina, após o fim das atividades exploratórias.

Argoselo uma região mineira conhecida pela exploração de volfrâmio, que durante anos foi um dos motores económicos desta região, temos a oportunidade de visitar o que resta de um antigo complexo de minas.

Para muitos, a exploração mineira terá sempre um significado especial. Pelas ligações familiares e de amigos.

Depois de anos de abandono, a Junta de Freguesia e a Câmara de Vimioso deram início à recuperação do património das Minas e foi construído o tão ambicionado Centro Interpretativo das Minas de Argoselo. A sua edificação pretende ser um contributo para a reconstrução e dignificação da aldeia mineira, das suas gentes e da sua memória. O Museu mostra a realidade física do espaço de vivência da família mineira: os objetos, as memórias, os símbolos e as carências estão nele representados. Este espaço permitirá interpretar a história e memória desta atividade profundamente enraizada na comunidade local.

O município também criou um percurso pedestre, “A Rota do Volfrâmio”, que tem como objetivo promover as minas e a história do volfrâmio neste território do concelho de Vimioso e dar a conhecer este património que tanto marcou as gentes locais.

Com cerca de quatro quilómetros, esta pequena rota tem como ponto de partida o Museu até à Ponte dos Mineiros.   O itinerário percorre ainda caminhos rurais, paisagens deslumbrantes do Rio Sabor e permite também que os seus pedestres contemplem o Planalto de São Bartolomeu

Ilídio Bartolomeu




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4 comentários:

  1. Parabéns Sr. Ilídio, o Centro interpretativo, merece mesmo uma visita.

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  2. Parabéns, Ilídio Bartolomeu, pelo excelente texto que nos traz à memória o que, ainda não há muito tempo, era a vida dos mineiros e da aldeia. Felizmente, a dos mineiros, que emigraram ou não, melhorou um pouco. Contudo, da vida da aldeia que, apesar de, há já alguns anos, ter a categoria de vila, é que não poderemos dizer o mesmo. Como a generalidade das mais localidades do concelho de Vimioso, do Nordeste Transmontano e, no fim de contas, do interior do País, nas últimos décadas, devido às políticas erradas seguidas pelo Poder Central se traduziram em falta de investimento e de desenvolvimento das terras do interior que conduziram à emigração, à migração, e ainda ao consequente envelhecimento e que, conjugado com controlo da natalidade, perdeu a maior parte da sua gente, sobretudo, os mais jovens. Espero que todos os naturais, residentes ou não, descendentes e amigos das localidades do concelho, contando com um Poder Local com uma visão, um sentido estratégico, mais atuante e com soluções mais adequados às reais necessidades do município de Vimioso e das 22 que o integram, estejamos ainda a tempo de poder inverter este ciclo que conduziu ao despovoamento e à morte lenta das localidades de cerca de 2/3 do País, mas, com mais grave incidência, o Nordeste Transmontano, sobremaneira, as Terras de Miranda e, ainda mais, o concelho de Vimioso.
    Alerto, especialmente, os jovens, mas também os mais distraídos, de que, o valor nominal dos 1 000$00 dos anos 40 e seguintes do século passado corresponde atualmente a €5. Contudo, para encontrar o seu equivalente valor real, que é incomparavelmente superior a €5, há que fazer muitos cálculos.

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  3. Corrijo: "...erradas seguidas pelo Poder Central se traduziram em falta de..." para "...erradas seguidas pelo Poder Central, que se traduziram em falta de...".

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  4. Estas Minas foram pedaços da minha vida que é recordar

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