domingo, 5 de fevereiro de 2023

AS PADEIRAS DO MEU TEMPO!


 

Adoro pão. Faz sempre parte do meu pequeno almoço. O cheirinho do pão acabado de cozer é único!

Falar da Nossa Gente é trazer à memória algumas figuras relevantes da nossa Terra!

Com pouco menos de 1500 habitantes, a Aldeia de Argoselo, em tempos de outrora, era bem conhecida pela sua agricultura  de centeio, que depois as padeiras da altura, davam origem, às fogaças.

A aldeia conserva a sua traça original, os habitantes eram mais genuinamente inconformados, bairristas, generosos e, sobretudo, unidos.

Não costumava haver horas de ponta na aldeia, e essa era uma das vantagens de viver no mundo rural. Mas, em Argoselo, todas as manhãs “lá pelas 5h30” começavam a  ouvir-se as carrinhas do peixe, da fruta, dos porcos e outras ao longo da rua direita. Pessoas das redondezas ocupavam  a Praça com os seus burros carregados de lenha, brasas, carvão e outros produtos, para venderem,  “até de inverno”. Para depois com o dinheiro comprar no comercio local os produtos do sustento da casa.

Era por essa hora ou um pouco mais cedo, que as padeiras: naturais de Argoselo, Maria Gala, que morava no Centro da Praça, Isabel Meca, na Rua da Cabreira, Adelina Atanha, no Largo da Gabilana e Folcissima, no Largo da Espadana, que se levantavam todos os dias, exceto aos domingos para começar a arte de bem fazer o pão. Aprenderam a técnica – e as quantidades – com as mães. As mães aprenderam com as avós. E assim sucessivamente.

Fogaça de Centeio 
De avental axadrezado e com um lenço preto a cobrir os cabelos, a indumentária assentavam-lhe bem, como se tivessem amassado o pão a vida inteira. Os movimentos dos braços eram firmes e eficazes.

Com as mãos, a padeira abre um buraco na farinha. Num movimento brusco, atira o sal. Coloca o fermento e verte água morna com uma malga. Os braços enterram-se quase até aos cotovelos numa mistura branca, mole e pesada, amassa muito bem e deixa-se levedar. Por fim, tender é a arte de dar forma ao pão; e no caso do pão de Argoselo, é preciso dar algumas voltas à massa até que adquira a forma que o caracteriza.

O descanso é necessário para que a massa recupere o volume antes de ir para o forno. Depois acende o forno a lenha, bem quente. Por fim a massa vai ao forno. Com o indicador direito, desenha uma cruz na massa. E reza: “Nosso Senhor me acrescente este pão para chegar para toda a gente”. Pouco depois, as tradicionais fogaças de centeio ou trigo de 3K, aos tão apetecíveis moletes, estavam prontas a devorar. Fazemos pão. E fazemo-lo como mais ninguém, pois temos nas mãos e na alma as tradições e saberes de várias gerações.

O melhor pão faz-se compreendendo as matérias-primas e respeitando os tempos de levedura e de cozedura que a natureza exige, para conseguir o melhor e mais puro sabor. Orgulhamo-nos da nossa herança cultural e colocamos em cada fornada o nosso amor à arte de fazer pão. Tudo é feito com rigor e de forma tradicional. 

Moletes de Trigo
De uma história de séculos, o pão de Argoselo mantém, ainda hoje, a genuinidade de sempre porque não contém aditivos que o desvirtuam. O processo é tão natural como antigamente.

Mas, como tudo muda, também o futuro do pão é incerto. Cada vez são menos as padeiras em atividade e as novas gerações fogem deste tipo de profissões que não permitem férias, nem folgas, e que obrigam a uma atividade noturna que tem forçosamente que ser conciliada com outros afazeres em horário diurno

Argoselo preserva e promove ainda o sabor e os saberes daquela que é uma das identidades gastronómicas mais fortes desta Vila. O verdadeiro pão Argoselense, confecionado com massa mãe, com a particularidade do saber fazer pão, que lhe confere um bom sabor. O miolo é muito saboroso, contrastado pela côdea estaladiça que confere um carácter tostado ao pão.


Ilídio Bartolomeu


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5 comentários:

  1. Tantas vezes de criança minha mãe me mandava ao pão a casa da tia Meca e da tia Folicissima pelo caminho comia os cornelhos da fogaça que sabia bem porque o pão estava bem quentinho logo de manhã cedo belas recordações tudo se vai acabando nos nossos dias Lídio Bartolomeu

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  2. Merecida homenagem às padeiras de Argoselo e ... de todas as localidades do Concelho. Parabéns.

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  3. Parabéns, Ilídio, pela qualidade do seu texto que nos recorda como, ainda não há tanto tempo assim, se fazia o pão em Argozelo e tenho quase a certeza que, praticamente, em todas as aldeias da Terra de Miranda, isto é, dos concelhos de Miranda do Douro, de Vimioso e de Mogadouro. Em Angueira, o pão mais consumido era o de trigo. Havia termos próprios em mirandês como, por exemplo, "fenhir" e "furmiento", entre outros, relativos ao processo de fazer o pão. Também eu adoro e me delicio quando como pão se for idêntico ao que a minha mãe, de dez em dez dias, costumava fazer e cozer no nosso forno. Que saudade! Um abraço.

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  4. Olá!
    É bom saber que ainda há pessoas a recordar com saudade as suas origens, ao contrário do que muita gente pensa. Ter saudades da nossa terra, é para mim, indicio de humildade e dignidade!... Continue a pensar assim!... Obrigado

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  5. Uma linda homenagem às grandes Mulheres da nossa terra. Momentos como este emocionam-me muito, porque me lembram tantos que a minha aldeia já partiram.

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