Cada um de nós
tem as suas memórias da Terra que é o nosso berço, sendo certo que
intrinsecamente de lá nunca saí. Em mim, está sempre presente o inultrapassável
tempo da infância. Tempo maior da descoberta dos sentidos e da aprendizagem da
vida, que, com saudade, recordo para sempre. Sobre a minha Terra, para além das
memórias inconfundíveis da minha gente, dos meus amigos para sempre, das
brincadeiras, dos sabores, dos cheiros que me estão colados, vibro, desde
criança, com as histórias fascinantes que escutava.
Odiaria ser um
daqueles que não tem terra, não tem a sua terra, a terrinha, perdida “lá na
província” e onde brinquei. Primeiro porque é a minha, depois porque é de facto
a melhor do mundo.
Na minha terra
há sempre comida e bebida para toda a gente. Seja porque é dia de festa, seja
porque decidimos que, apesar de não haver qualquer motivo para a fazer, é dia
de festa. Sim, porque na minha terra qualquer acontecimento é desculpa para
comer e beber, seja ele um baile de verão ou simplesmente por visita de um
amigo.
Na minha terra
há histórias que se contam e histórias que se criam todas as semanas. Na minha
terra as pessoas riem com vontade e riem tanto dos outros como de si, não tendo
problemas em contar à mesa do café a estupidez que acabaram de fazer. Todos têm
alcunhas, todos sabem as histórias mais humilhantes de toda a gente e toda a
gente sabe as tuas. Na minha terra o humor raramente tem limites e quando tem,
esses limites desaparecem ao 7º copo que é pago como pedido de desculpas e aí
já é a própria vítima quem mais ri.
Na minha terra
as pessoas são brutas, às vezes até um pouco rudes, mas são as pessoas mais
sinceras e disponíveis que vais conhecer na tua vida, porque na minha terra um
amigo é para a vida, mesmo quando se chateiam. Podes estar um ano sem falar com
alguém porque te roubou um metro de terreno ou andou à porrada com o teu melhor
amigo, mas no dia em que esse alguém tiver um acidente ou perder um familiar,
tu vais ser o primeiro a bater-lhe à porta com uma grade de minis, um chouriço
e um abraço.
Na minha terra
há pretos e ciganos, há mulheres, homens e crianças, há casados, divorciados e
solteiros e todos são iguais: todos são alvo de gozo, por igual, todos levam na
tromba, todos dão na tromba, todos bebem e riem e choram e ninguém é posto de
parte desde que seja boa pessoa, não tenha a mania e aguente bem a bebida.
Na minha terra
há invejas, há problemas, há jogadas políticas e também alguma vaidade
totalmente descabida, mas até nisto a minha terra é melhor do que a vossa,
porque a maioria de nós está-se figurativamente a cagar para esta gente e, por
vezes, até literalmente quando a noite vai longa e aquela decima bebida te dá
ideias bem divertidas.
Hoje,
infelizmente, a minha Terra encontra-se profundamente despovoada, envelhecida,
empobrecida, e marcada pelo êxodo rural e pela emigração. Aqueles que resistem vão
observando o desaparecimento de inúmeras tradições agrícolas, de alguns rituais
sociais, e de muito conhecimento popular. Na minha Terra, primeiro
desapareceram os jovens, e com eles os casamentos, as crianças, as escolas e
gradualmente muito de tudo.
Ilídio
Bartolomeu
FAÇAM O VOSSO COMENTÁRIO
Caro Ilidio
ResponderEliminarEsta terra, é minha e de todos nós... É de todos aqueles que começaram, que construíram, que abandonaram e de todos aqueles que ainda hoje por aqui permanecem
Genuíno estado de alma forjado num tempo e espaço específico no interior mais profundo.
ResponderEliminarFaz-me lembrar o texto, parte final, a expressão: as pessoas vão e tudo vai com elas, o que é bem verdade, as pessoas que abriam ou que outrora de madrugada assomavam à janela ao ouvir o primeiro chiar do carro de bois, estão todas a desaparecer e as memorias dum povo vão com elas.
ResponderEliminarDe algumas janelas, porque em completa ruína, somente restam as ombreiras a desafiar o tempo, mas até um dia...mas como eu cansei de falar da nossa autarquia que nada faz para preservar a ruralidade da aldeia, vou ficar por aqui e apenas dizer que adorei o texto e fotos.