terça-feira, 30 de maio de 2023

LUGAR DE AFETOS!

Falar da nossa terra, da terra dos nossos afetos, é sempre um exercício que, quer queiramos quer não, nos faz percorrer, através da memória, a nossa existência desde a infância. Então, percebemos que aquele mundo pequeno, a nossa rua, afinal faz parte de outras ruas.

E hoje, ao recordarmos a primeira memória que temos da infância, percebemos que aquele mundo tão pequeno, afinal, é fisicamente tão grande. “Ilídio, vai ao Tito comprar um litro de azeite”– pedia o meu pai. Que emoção, ter de ir à praça e invadir o comercio do  Sr. Tito! Aqueles setenta metros eram uma aventura. Por sua vez minha mãe dizia-me: Ilídio meu filho, vai buscar um cântaro de água à espadana para fazer o caldo.  Depois, veio a escola e os horizontes alargaram-se mais, mas pouco. Contudo, a memória dos cheiros, das pessoas e das brincadeiras na rua é imensa, e ficou entranhada na pele e na lembrança.

Nenhum dos outros mundos, por muito belos e grandes que sejam, se comparam à nossa rua ou à comunidade das nossas relações. São, pois, as memórias do coração que prevalecem: agarraram-se às pedras da calçada; às paredes dos edifícios; aos rostos envelhecidos das vizinhas; aos cheiros peculiares que saíam, e continuam a sair, de cada uma das casas; ao barulho da roupa que sacudia, e continua a sacudir, no estendal. “Como defendeu o Sr. Poi―a memória do coração elimina as coisas más e amplia as boas”. O desejo de regressar, depois de alguma ausência, aparece carregado de ansiedade porque, como dizia “Minha mãe, “Esta é a minha terra, outra mais linda não há”.

Maquina que media o
azeite
 “Esta é a minha terra, outra mais linda não há” dá-nos duas preciosas indicações: a primeira é que, de facto, como seres humanos, necessitamos de pertencer a um sítio, chamá-lo de nosso, que é precisamente o que nos indica o determinante possessivo “minha”

Sim, a vontade de pertencer, que vem de nós, deve servir para fortificar e não para destruir, porque a força dessa vontade vem carregada de afetos, de memórias, daquela paz de pertencer a um lugar.  Quando se destrói ou tenta destruir por palavras, atos ou omissões o lugar dos nossos afetos, é o mesmo que dizer da ausência ou de não pertencer a lugar nenhum, e não pertencer a lugar nenhum é o mesmo que estar morto.

Com certeza que já todos ouvimos e até já dissemos: “Vou à terra” ou “Vou regressar à minha terra”. Não, não é provincianismo, é a necessidade de fazermos parte de um todo significativo que valorizamos, que nos valoriza e que temos orgulho de ter ajudado a construir. Por isso, o nosso primeiro impulso é achar a nossa terra a mais linda do mundo, os defeitos são minimizados pela vontade de ajudarmos a que se transformem em virtudes; e as coisas boas são ampliadas pelo amor que temos a esse lugar, porque, não tenhamos dúvidas, há lugares de afetos que são amores para toda a vida.

Esta terra, é minha e de todos nós... É de todos aqueles que começaram, que construíram, que abandonaram e de todos aqueles que ainda hoje por aqui permanecem.

Blog Freixagosa

 

5 comentários:

  1. Belos Tempos
    Este tema chega a ser comovente pela sensibilidade que acarreta.
    Desloca-nos aos meandros da meninice quase sem darmos conta que íamos crescendo, mas arreigados às coisas mais inocentes e que ainda agora mais gozo nos dão.

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  2. Olá boa tarde
    Sim, chega a ser comovente, só que pelos vistos comove poucos, ou melhor, os mesmos. Mas como diz o poeta: “só se lembra dos caminhos velhos quem tem saudades da terra”

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  3. Enquanto há vida...há esperança!
    Não costumo comentar ou responder, letra a letra, frase a frase, mas não resisto por aqui sintetizares de modo soberbo, a ruralidade ancestral nossa e dos que agora também pertencem. Aqueles que connosco Argozelo partilham.
    Comove os poucos genuínos que se lembram de ruas e ainda por eles calcorreiam, mais aqueles que os vão descobrindo, aonde nada se inventa, apenas se levanta com honra e valentia, tal como os nossos mineiros rebentavam as pedras nas galerias, e as transformavam em minérios.

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  4. Oi Ilidio
    Gosto de ler os seus textos sobre Argozelo, pois sinto que tem pesquisa. Acho que você precisa escrever um livro. O blog e um futuro livro? Conhecimento para isso não lhe iria faltar

    Parabéns

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  5. Sim, se houver recursos, editamos os textos do (blog da freixgosa) em livro e não será com o objetivo de ser vendido.
    Para já, da minha parte, pretendo fazer mais pesquisa que culmine em novas descobertas e continuar a apontar aqui (no blog) as falhas, erros, defeitos, de modo a pelo menos espevitar a discussão, a troca de opiniões, o pensar na nossa terra, no que foi feito e no que deveria ter sido corrigido.
    Muitos que hoje, se riem em surdina do que aqui se regista, são uns mal agradecidos.
    Obrigado

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