sábado, 28 de outubro de 2023

DA MINHA ALDEIA ESCREVO...SAUDADES!!!

Tal como gosto que leiam o que escrevo, porque partilho a escrita e o pensamento com os meus leitores, sobretudo quando os mais próximos, me incentivam a escrever, que dão ideias, que me abordam e presenteiam com comentários, sinceros, são esses que eu valorizo, naturalmente, também gosto de ler quem escreve bem, tornando-se uma mais valia para mim, para a minha motivação, para o sentir criativo do meu imaginário, das saudades…do passado.

Rua Dereita

«Aqui ouvimos a terra. Uma terra simples de gente pura e trabalhadora. Gente que sempre viveu em comunidade, que ri que chora. Gente que ama a sua terra! Que sabe ultrapassar dificuldades em conjunto e orar. Que sabe construir e dizer mal. Que partiu para o Mundo, mas nunca esqueceu as suas origens.». 

Ruas Escuras

Noutros tempos, na minha Aldeia, na minha infância, quando a noite caia, as ruas quase se esvaziavam, e só os jovens adultos eram autorizados a percorrer a escuridão, enquanto lá longe, na vila de Vimioso, um clarão de luzinhas acendia e depois apagava-se. Nós, todas as Aldeias das redondezas, sem eletricidade, sem caminhos transitáveis, sem água canalizada, sem esgotos, sem dinheiro, vivíamos das trocas – batatas ou cebolas por laranjas, cereais por louças castelhanas… 

Os Sinos da Igreja Matriz

Havia a leitura das badaladas dos sinos, para decifrarmos as vantagens diretas ao Povo. Repicavam três vezes os toques de Avé-Maria (manhã, meio-dia, e anoitecer). Todos rezávamos ou regressávamos a casa. Aos toques do mortório, juntava-se toda a Comunidade cheia de dor e luto, mas também de esperança e de recolhimento em fraternidade.

Quando havia fogos urbanos (eram raros e nas matas nunca existiam, porventura porque não havia os atuais interesses económicos), o som dos sinos era de arrebate e toda a população acudia no combate ao incêndio. Não precisavam dos bombeiros, que também não dispunham de vias para lá chegar. Vivia-se em interioridade profunda, uma espécie de coma social.

Hoje os sinos lá estão, resistindo ao vento frio que passa, mas já não há mãos, nem ouvintes. Hoje o que se faz ouvir é silêncio…silêncio.

Rua do Bairro de Baixo

Nas ruas só se vêem sombras de vento frio, e trepadeiras em casas esventradas que lembram destroços da guerra. Muitas vezes, ao anoitecer, contavam-nos lendas de mouras prisioneiras, de princesas ou gigantes sem nome. E quando numa esquina soavam vozes estranhas, nem bruxa ou exorcista as podia esconjurar.

Já não há as tabernas onde aos domingos se ajustavam contas contra um mau vizinho. Eram os locais privilegiados para vinganças familiares, pois havia álcool à mão para curar as feridas. Mas às vezes eram tão profundas que nem a Santa Bebiana, Padroeira dos Bêbados, lhes valia.

Os meus conterrâneos saíram, emigraram, foram-se os bebedores e com eles as tabernas e as sombras noturnas. Os campos estão abandonados e vazios, as noras roubadas, as azenhas derrubadas, as ribeiras e açudes com pouca água, fugiram os peixes, as aves ribeirinhas… Nem um tiro de caça se ouve.

Pelame

Os pelames oitocentista, com rico Património, foram destruídos na década sessenta setenta; o mesmo aconteceu com as fontes Centenárias. Como era linda a Minha Querida Aldeia – com ruas estreitas, os carros de bois carregadas de frutos da terra, o regresso das ceifeiras a cantar ao desafio, toda uma geografia humana que não constava no Mapa de Portugal. Da janela da nossa casa só via uma pequena parte, mas que me dava tudo: as Estrelas e a Lua Crescente. A neve e a chuva chegavam e o lume quase extinto.

No Ano do Património, pouco ou nada tem para apresentar aos seus visitantes, ao lado de tantas outras aldeias com uma grande riqueza histórica, rural e religiosa.

Rua dos Peliqueiros

«A nossa terra é a nossa vida, é tudo aquilo que construímos, são as pessoas com quem convivemos e amamos, mas é também tudo aquilo que nos envolve e cria memórias.

Apesar de ter saído da minha terra, há mais de sessenta anos, continuo a ter sonhos em que estou lá. Quando acordo, tenho a certeza profunda de que os meus sonhos preservam uma certa verdade. Há um passado que, nesses sonhos, continua presente.

Lembro que escrevo «para que a memória não se apague» respiro Argoselo e quero por mais pessoas a respirar.


Blog Freixagosa


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