O
maior pecado para com os nossos semelhantes, não é odiá-los, mas sim tratá-los
com indiferença; é a essência da desumanidade.
Ficaremos
cada vez mais indiferentes quando alcançarmos um conhecimento suficiente da
superficialidade e da futilidade dos pensamentos, da limitação dos conceitos,
da absurdez das opiniões e do número de erros na maioria das cabeças de quem
nos representa. Se prestássemos atenção ao que os outros podem dizer de nós,
perderíamos depressa toda a possibilidade de fazer bem.
Tento
ser, à minha maneira, inabalável e prático, mas a indiferença, como condição
nunca teve lugar na minha vida, e se é certo que busco afincadamente o sossego
do espírito, também é certo que não me libertei nem pretendo libertar-me da
paixão pela minha terra, o que tiver para dizer, eu digo ou escrevo.
Longe
vão os tempos em que a aldeia de Argoselo fervilhava de vida. As casas estavam
cheias de gente que trabalhava nos campos, alegre, pois não conheciam outro
modo de vida e os seus desejos de ambição resumiam-se às colheitas fartas que
assim afastavam o espectro da fome. Mas havia fome, muita fome. Estou a falar
de um tempo antigo, no qual uma sardinha era dividida por três, do carolo de centeio
bem negro torrado nas brasas untadas com banha a servir de manteiga, caldo de
cebola quando as batatas já se haviam acabado e de refeições em que a travessa
do guisado era só uma e se colocava no meio da mesa, quando havia mesa e no
caso de não haver, à roda do da fogueira, onde a família comia em silêncio
depois de dar graças ao divino por mais uma refeição... o silêncio da refeição
não se devia ao não terem que dizer, mas sim ao tempo que perderiam se
ocupassem a boca com palavras em vez de mastigar a parcela que a cada um calhava.
As batatas eram cozidas com a pele por via de não desperdiçar nada. O pão,
muitas das vezes, mesmo duro, era o único que havia.
As
crianças pequenas eram deixadas na rua todo o santo dia, entregues a elas
próprias, enquanto os pais e os irmãos mais velhos cuidavam das novas
colheitas. Quando a fome começava a apertar, as brincadeiras, faziam esquecer a
vontade de comer o carolo de pão, porque muitas das vezes nem isso havia, e se
resmungassem muito, ainda levavam uma valente tareia.
Hoje,
disto tudo o que resta destas memórias, para além de algumas vezes de barriga
cheia, é claro, e destas histórias para contar aos filhos e aos netos, se bem
que estes últimos tenham tido dificuldades em acreditar, visto que nada lhes
falta e não conhecem as consequências da palavra miséria, ou se calhar, nem a
própria palavra fome…
É
agora esta espécie de gente que se alimenta do resultado imediato obtido sob o
efeito produzido nos outros, sobre quem, corrosivamente, pulverizam o éter
resultante do destilamento efetuado com a requintada performance da sua
frustração e malvadez. Impotentes perante o complexo de inferioridade que lhes
assola a existência e com quem se debatem ingloriamente, só lhes resta
espezinharem os mais fracos que se cruzem no seu caminho, obtendo desse modo a
dose de satisfação que lhes permita sobreviver no submundo das sombras, do qual
nunca parecem crer abandonar. Da frustração é claro!...
Ridículas
criaturas essas, que, atormentadas pela cegueira do brilho que se lhes afigura
terem o dom de originar e cuidando serem estrelas de uma qualquer constelação
superior do reino da mesquinhez, lá se vão entretendo a atirar maléficos
venenos sobre os defeitos dos demais. Por mais que se metam em bicos de pés
tentando elevar-se ao alto da perfeição, na verdade, nunca passaram do chão. E
é sob o desmesurado que escavam túneis de trevas por onde, contentes se lançam
de arrojo num submundo cheio de outros seres rastejantes.
O
vento tudo leva, desvanece. O tempo faz tudo ficar no seu lugar, no seu tempo.
Tudo se acalma, tudo se acerta, o que não é para ficar não fica, o que tem que
permanecer, garante-se. Mas nem o vento e nem o tempo, nos consegue ensinar a
lidar com a saudade que alguém nos deixou.
Há
que mudar de vida em Argoselo! senão queremos ir aos velhos tempos da miséria
doravante sempre pelos mesmos… É só
abrirmos um pouco mais os olhos e serão banidos das suas frustrações e
malvadez…
Ilídio
Bartolomeu
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