Somos o reflexo
do que nos rodeia. Dos nossos pais, irmãos, companheiros de vida, amigos,
colegas de trabalho. A pouco e pouco, sem nos darmos conta, vamos ficando
parecidos com aqueles que mais estão connosco e que mais nos
influenciam.
Esta é uma característica sobejamente importante do ser humano, muitas vezes desvalorizada, mas tão fulcral. É daí que advêm os nossos valores, a nossa raça, se de facto temos ou não apetência para determinada tarefa nossa raça, se de facto temos ou não apetência para determinada tarefa
O tempo passa,
as pessoas vão envelhecendo, de repente já estaremos distanciados demais dos
nossos antepassados, das nossas raízes familiares e de todo o convívio que nos
permitiu chegar até onde estamos agora. Mas jamais se esquece.
Ora, não se
pode esquecer as lições de uma boa ou má infância, das traquinices e
brincadeiras que a nossa memória sempre pede para serem lembradas. Mesmo que às
vezes magoe, que aflija por dentro, pelas recordações, lembranças e nostalgias,
ainda assim temos de olhar para trás e descortinar o que há de nós e o que há
dos nossos. que ainda porem ser descortinados.
Não nasci
agora, não vim ao mundo sozinho. Sou filho de pessoas que foram geradas por
outras pessoas, e daí um vínculo consanguíneo e familiar que jamais poderá ser
negado em nome do esquecimento ou da ingratidão.
Meu pai
Adelino, era filho de dona Leonor Machado e de Manuel Bartolomeu. Minha mãe
Maria Granjo, era filha de Bernarda Carvalho e de António granjo. Estes também
tinham as suas raízes, os seus berços familiares. Eu, sou neto deles. O pai do
pai de meu pai, a mãe da mãe de minha mãe, e mais distante ainda, lá longe, nas
lonjuras das nascentes familiares, tudo sendo semeado, vingado, gerado em
outros e outros. Fios da vida que se alongaram até o presente, ainda que muitos
nem sequer percebem que são tão distantes das suas raízes.
Com isto quero
afirmar que a minha presença de agora é um reflexo do ontem, do passado
distante, do que foi brotado pelos meus até que em mim florescesse a vida. Por
isso não posso vislumbrar do presente sem ver as velhas fotografias molduradas
na parede do tempo e do coração. E quanta saudade dá!
Lembro-me,
dentre tantas lembranças e nostalgias, dos santos no céu amadeirado do oratório
da minha mãe, do seu gosto de rezar e cantar e da sua voz firme dizendo assim e
assim. Argoseleira, devota, de rosário de contas e promessas ao Senhor do
Bonfim. Vivia para os santos, para as rezas, para as igrejas, para abençoar
quem passasse pela sua porta e para ver o mundo, ali sentadinha ao entardecer à
porta de sua casa na rua. Em dias de missa, lá ia ela, toda miudinha, levando o
rosário de rezas e crucifixos, de xaile escuro sobre a cabeça, possuía uma voz
tão bela que os anjos se encantavam quando chegava à igreja. Minha mãe, a fina
flor do meu coração. Sem outras palavras para descrevê-la, senão aquelas que
dizem sobre a sua beleza, a sua doçura humana, o seu indistinto amor.
Meu pai
Adelino, era alfaiate, o (chastre de alcunha) era brincalhão, humorado, humano
e familiar. Lembro-me do coração perfumado de meu pai Adelino e da sua
habilidade firme, como a não querer revelar o seu sentimentalismo e a sua
bondade. Relembro a sua alfaiataria com as suas prateleiras, carregadas de
peças de pano, do balcão e da sua máquina singer. Lembro também como era
espinhoso o seu trabalho principalmente no Verão.
Mas eu
gostava mesmo era do chastre cosendo na sua máquina de costura. Inesquecível
aquele Adelino, às noites após o trabalho, saia para a taberna com a sua
pequena bengala coxeando ao encontro dos seus amigos. Logo que pudesse, lá
estava ele a fazer das suas partidas que mais adorava, meter as cascas dos
amendoins e tremoços nos bolsos dos casacos domingueiros dos amigos que lhe
mereciam confiança, sem eles se aperceberem. Depois quando os amigos iam para
casa, trocar de roupa metiam as mãos nos bolsos, encontravam as cascas,
desconfiavam logo e diziam: foi a agulha do chastre. Era assim que os amigos
depois lhe chamavam, por ser brincalhão e amigo dos seus amigos.
E eu, eu sou
uma parte de tudo isso, uma prenda viva de laços familiares, ou aquele que tudo
faz para jamais se afastar daquele jardim de onde floresci. Por isso, quando
olho no espelho vejo-me em muitos. Naqueles outros e aqueles que nem sequer
conheci, mas que em mim estão pela força hereditária.
Não sou apenas
Ilídio. Tenho um nome, mas sou aquele que vem do sobrenome das mais profundas
raízes! Todos vêm das mais profundas raízes!…
Ilídio
Bartolomeu
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