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Antiga Escola Primária Hoje ´Posto da G.N.R. |
Lembro-me como se fosse ontem o meu primeiro dia de aula. Incrível como o tempo passa! Queremos tanto nos livrar desta fase de escola, que quando nos damos conta, já passou.
Fazia, diariamente, a pé, o percurso
casa/escola/casa, quer morasse perto ou longe, chovesse, nevasse ou fizesse
sol. Tinha dois caminhos por onde ir: pela estrada principal ou pela rua Padre
Cruz, era no tempo das chuvas lamacentos ou cheios de água e no tempo seco
estavam cobertos de pó. Quando chegava à escola molhado ou com frio esperava
uma pequena braseira, que de pouco servia, condenando-me a passar várias horas
molhado e com frio.
Um ou outro caminhavam descalços uma vez
que os pais não tinham dinheiro para lhe comprar umas botas, ainda que
grosseiras. Os que moravam mais distanciados da escola levavam o almoço
consigo, muitas vezes uma sardinha albardada, ou um pedacito de queijo e um
bocado de pão de centeio, tanta vez, endurecido. Nesse tempo não só não havia
cantinas com leite, refeições de graça, como também dinheiro para comprar
sandes, bolos, chupas, gasosas ou pirolitos...
Levava os livros, cadernos e o restante
material escolar, como a pedra de ardósia, o lápis, a borracha, a caneta de
tinta não permanente, numa sacola, confecionada de pano. Brincávamos e
jogávamos, durante o recreio, ao pião, ao berlinde, à bilharda, ao botão, à
bola (de trapos) e às escondidas.
Sinto saudades do barulho da campainha ao
dar sinal para os intervalos, que era sempre um alívio...
Sinto saudades daqueles alunos que faziam
graça na sala de aula, e aqueles quietinhos que se sentavam logo nas primeiras
carteiras junto ao professor. havia sempre um que se destacava, seja pelo
espalhafato ou pela educação exagerada. Eu nunca fui dos melhores, mas também
nunca fui mal exemplo, juro!
A professora Dona Maria Cepeda, era uma
Professora extremamente exigente e disciplinada. Quem fez a quarta classe com
ela, tenho a certeza absoluta, que além desses dois predicados que tinha, todos
dirão que era uma Senhora Professora que tratava muito bem dos seus alunos.
Enquanto outras/os professores só davam
aulas de manhã ou da parte da tarde, a Senhora Professora, Dona Maria
Cepeda, abdicava do seu tempo de lazer, para dar aula da parte da tarde em sua
casa, ai de quem não fosse! Além da aula, dava-nos de lanchar, sandes, bolos e
fruta. Esta Professora era mesmo extraordinária!
Os professores/as eram muito respeitados
pelos nossos pais que lhes davam a liberdade de nos castigar, caso não
soubesse-mos o que nos competia. Os castigos podiam ser desde puxões de orelhas
a bofetadas e até mesmo reguadas! A maior parte da matéria era para ser
decorada e recitada na pontinha da língua: 2x2=4, 2x4=8…
A escola tinha quatro salas, duas para
rapazes e duas para raparigas. Havia oito turmas, cada uma com vinte e quatro
alunos, uns tinham aulas da parte da manhã e outros da parte da tarde. Todos os
dias tínhamos de rezar e cantar o hino nacional.
Uma semana antes do Carnaval, era tradição
oferecer o melhor Galo da localidade a cada uma das professoras. Todas as
turmas nesse tempo, procuravam um carrinho de mãos, ornamentava-se com um
pinheiro e serpentinas para depois colocar lá dentro o Galo mais bonito e o
melhor da aldeia, comprado pelos alunos da turma. Outras turmas iam comprá-lo
às aldeias em redor. Depois do Galo todo enfeitado, íamos dar a volta ao Povo
com o carrinho de mãos, quando em quando, recitávamos versos como por exemplo
este:
O Galo não é de cá,
Ele é da Paradinha,
Para o menino Zeca,
Namorar a Mariazinha.
E antes de entregar o Galo à professora em
sua casa, lia-se o testamento do Galo que era assim:
Não haverá quem me alive, nesta minha tão
má sorte.
Esta noite está a ler-se, a minha sentença
de morte.
Estou tão atribulado, nesta minha
despedida.
Deixar-vos nesta hora, de certo me custa a
vida.
Deixo as minhas tripas e tudo, o
demais em demasia.
À mulher mais rabugenta que houver nesta
Freguesia.
Depois batiam-se palmas e a Senhora
Professora dava-nos rebuçados e bolos. Era uma alegria!
Para fazer o exame da 4ª classe, íamos a
Vimioso sede de Concelho. Uns a cavalo, outros deslocavam-se a pé. Depois
quem passava no exame, comprava rebuçados para depois os distribuir
aos mais novos. A primária terminou!
Depois da escola, os pais dos alunos que
tinham poder económico, prosseguiam os estudos no Liceu em Bragança. Os outros,
além de fazer os deveres de cada dia, brincava-se e ajudávamos os nossos
pais no que fosse preciso. Eu, ao meu pai, fazia recados, pequenas compras e
tarefas ligadas à vida de alfaiate, à minha Mãe ia à fonte buscar água para
fazer a comida.
Com o passar do tempo, percebi que a vida
de cada um acabou tomando um rumo diferente. Rumo que o próprio destino se
encarregou de traçar. O quotidiano foi e é sempre a luta pela sobrevivência.
Trabalhar e preocupar-se com o futuro.
Então aqueles amigos que fiz durante a
infância, aos poucos foram distanciando-se... E cada vez mais, até que nunca mais
os vi com a mesma frequência de antigamente. O tempo passa, há como passa!
Mas é incrível como existem coisas que
marcam a vida da gente. Quando me lembro do tempo de escola por exemplo, logo o
associo à minha infância. Seria mentira se eu dissesse que não sinto nem um
pingo de saudades, sinto sim.
Saudades daqueles momentos tão simples,
que até então, para mim não eram significativos na época. Eu estava somente
vivendo aqueles momentos, e nunca notei que a vida passaria tão depressa.
Mas o que mais me indigna é, sabendo que
toda a população que esta, Professora Dona Maria Cepeda, Senhora de grande
generosidade tenha sido esquecida todo este tempo, por todas as
autoridades máximas da localidade, ao ponto de ser esquecida sem que lhe
tivessem feito um reconhecimento digno à sua pessoa.
Raro aluno que frequentou a escola com
esta Senhora Professora, que não diga: eu tenho uma 4ª classe bem feita!
Esteja lá onde estiver, o meu reconhecimento e meu muito
obrigado.
Ilídio Bartolomeu
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