quarta-feira, 30 de setembro de 2020

NO MEU TEMPO DE ESCOLA PRIMARIA!



Antiga Escola Primária
Hoje ´Posto da G.N.R.

  Lembro-me como se fosse ontem o meu primeiro dia de aula. Incrível como o tempo passa! Queremos tanto nos livrar desta fase de escola, que quando nos damos conta, já passou.

Fazia, diariamente, a pé, o percurso casa/escola/casa, quer morasse perto ou longe, chovesse, nevasse ou fizesse sol. Tinha dois caminhos por onde ir: pela estrada principal ou pela rua Padre Cruz, era no tempo das chuvas lamacentos ou cheios de água e no tempo seco estavam cobertos de pó. Quando chegava à escola molhado ou com frio esperava uma pequena braseira, que de pouco servia, condenando-me a passar várias horas molhado e com frio.

Um ou outro caminhavam descalços uma vez que os pais não tinham dinheiro para lhe comprar umas botas, ainda que grosseiras. Os que moravam mais distanciados da escola levavam o almoço consigo, muitas vezes uma sardinha albardada, ou um pedacito de queijo e um bocado de pão de centeio, tanta vez, endurecido. Nesse tempo não só não havia cantinas com leite, refeições de graça, como também dinheiro para comprar sandes, bolos, chupas, gasosas ou pirolitos...

Levava os livros, cadernos e o restante material escolar, como a pedra de ardósia, o lápis, a borracha, a caneta de tinta não permanente, numa sacola, confecionada de pano. Brincávamos e jogávamos, durante o recreio, ao pião, ao berlinde, à bilharda, ao botão, à bola (de trapos) e às escondidas.

Sinto saudades do barulho da campainha ao dar sinal para os intervalos, que era sempre um alívio...

Sinto saudades daqueles alunos que faziam graça na sala de aula, e aqueles quietinhos que se sentavam logo nas primeiras carteiras junto ao professor. havia sempre um que se destacava, seja pelo espalhafato ou pela educação exagerada. Eu nunca fui dos melhores, mas também nunca fui mal exemplo, juro!

A professora Dona Maria Cepeda, era uma Professora extremamente exigente e disciplinada. Quem fez a quarta classe com ela, tenho a certeza absoluta, que além desses dois predicados que tinha, todos dirão que era uma Senhora Professora que tratava muito bem dos seus alunos.

Enquanto outras/os professores só davam aulas de manhã  ou da parte da tarde, a Senhora Professora, Dona Maria Cepeda, abdicava do seu tempo de lazer, para dar aula da parte da tarde em sua casa, ai de quem não fosse! Além da aula, dava-nos de lanchar, sandes, bolos e fruta. Esta Professora era mesmo extraordinária!

Os professores/as eram muito respeitados pelos nossos pais que lhes davam a liberdade de nos castigar, caso não soubesse-mos o que nos competia. Os castigos podiam ser desde puxões de orelhas a bofetadas e até mesmo reguadas! A maior parte da matéria era para ser decorada e recitada na pontinha da língua: 2x2=4, 2x4=8…   

A escola tinha quatro salas, duas para rapazes e duas para raparigas. Havia oito turmas, cada uma com vinte e quatro alunos, uns tinham aulas da parte da manhã e outros da parte da tarde. Todos os dias tínhamos de rezar e cantar o hino nacional.

Uma semana antes do Carnaval, era tradição oferecer o melhor Galo da localidade a cada uma das professoras. Todas as turmas nesse tempo, procuravam um carrinho de mãos, ornamentava-se com um pinheiro e serpentinas para depois colocar lá dentro o Galo mais bonito e o melhor da aldeia, comprado pelos alunos da turma. Outras turmas iam comprá-lo às aldeias em redor. Depois do Galo todo enfeitado, íamos dar a volta ao Povo com o carrinho de mãos, quando em quando, recitávamos versos como por exemplo este:

O Galo não é de cá,

Ele é da Paradinha,

Para o menino Zeca,

Namorar a Mariazinha.

E antes de entregar o Galo à professora em sua casa, lia-se o testamento do Galo que era assim:

Não haverá quem me alive, nesta minha tão má sorte.

Esta noite está a ler-se, a minha sentença de morte.

Estou tão atribulado, nesta minha despedida.

Deixar-vos nesta hora, de certo me custa a vida.

Deixo as minhas tripas e tudo, o demais  em demasia.

À mulher mais rabugenta que houver nesta Freguesia.

Depois batiam-se palmas e a Senhora Professora dava-nos rebuçados e bolos. Era uma alegria!

Para fazer o exame da 4ª classe, íamos a Vimioso sede de Concelho. Uns a cavalo, outros deslocavam-se a pé. Depois  quem passava no exame, comprava rebuçados para depois os distribuir  aos mais novos. A primária terminou!

Depois da escola, os pais dos alunos que tinham poder económico, prosseguiam os estudos no Liceu em Bragança. Os outros, além de fazer os deveres de cada dia, brincava-se e ajudávamos  os nossos pais no que fosse preciso. Eu, ao meu pai, fazia recados, pequenas compras e tarefas ligadas à vida de alfaiate, à minha Mãe ia à fonte buscar água para fazer a comida.

Com o passar do tempo, percebi que a vida de cada um acabou tomando um rumo diferente. Rumo que o próprio destino se encarregou de traçar. O quotidiano foi e é sempre a luta pela sobrevivência. Trabalhar e preocupar-se com o futuro.

Então aqueles amigos que fiz durante a infância, aos poucos foram distanciando-se... E cada vez mais, até que nunca mais os vi com a mesma frequência de antigamente. O tempo passa, há como passa!

Mas é incrível como existem coisas que marcam a vida da gente. Quando me lembro do tempo de escola por exemplo, logo o associo à minha infância. Seria mentira se eu dissesse que não sinto nem um pingo de saudades, sinto sim.

Saudades daqueles momentos tão simples, que até então, para mim não eram significativos na época. Eu estava somente vivendo aqueles momentos, e nunca notei que a vida passaria tão depressa.

Mas o que mais me indigna é, sabendo que toda a população que esta, Professora Dona Maria Cepeda, Senhora de grande generosidade tenha sido esquecida todo este tempo,  por todas as autoridades máximas da localidade, ao ponto de ser esquecida sem que lhe tivessem feito um reconhecimento digno à sua pessoa.

Raro aluno que frequentou a escola com esta Senhora Professora, que não diga: eu tenho uma 4ª classe bem feita!

Esteja lá onde estiver, o meu reconhecimento e meu muito obrigado.

Ilídio Bartolomeu

 


 


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