sábado, 29 de outubro de 2022

PARTILHAR MEMÓRIAS

O ex-libris desta Vila é o Serro

Eu, me declaro: sou “Perro, nasci na Terra dos Peliqueiros” e aqui regresso sempre, porque aqui me sinto em casa, é a minha sede, a capital do meu mundo. A Terra que os meus pais me ensinaram a amar, respeitar e fazer bem sem olhar a quem. Num dia sem nuvens, de garotos subíamos ao  Alto do São Roque onde uma vista magnífica se avistavam as aldeias vizinhas podendo observar a imensidão do universo, uma singular beleza da natureza. E também não esqueço as vezes  aos domingos as idas por vale magas ao Planalto de São Bartolomeu! além de apreciar as belas e as sensacionais  paisagens incríveis e únicas! Aparte de todo o culto religioso, este Santuário está num local privilegiado, com uma vista sobre o vale do Rio Sabor, de beleza inigualável. Este local convida assim a uma visita obrigatória para desfrutar da paisagem em qualquer altura do ano. O contacto com a natureza é tão intenso, que um simples passeio pode proporcionar belas visões. Não deixa ninguém indiferente.

Sou um filho da Terra, aqui fiz os meus primeiros amigos, aqui me fiz jovem, jogávamos à bola, o fito, a relha, a corda, o bilro, ao cântaro e percorríamos inúmeras vezes as ruas da aldeia à bucha nova. Esta capacitação estava mais orientada para os jovens e adultos que não tinham ainda um percurso profissional definido. Mas também na altura, se integravam pessoas de diferentes condições sociais, etnias. Esta era uma forma de comunicar o potencial de identidade da aldeia, através da união entre tradição e a mudança.

Esta reativação dos jogos tradicionais, podiam muito bem resultar em momentos e eventos que se promove e valoriza este importante património e cultura.

Não esqueço que nesse tempo, nem todos tivemos as mesmas oportunidades. Não esqueço que muitos tiveram de abandonar o seu percurso mais cedo do que deveriam. Não esqueço que nesse tempo a estrada que nos liga à cidade, tinha mais buracos do que os famosos queijos franceses. Não esqueço que a minha Terra sempre foi uma Terra de gente, que tem de procurar fora o que a terra não tem para oferecer, somos uma Terra de emigrantes. Não esqueço que vivi numa Terra desigual em que progresso chegava sempre mais tarde.

E se eu não esqueço a “minha Terra”, a casa onde nasci e cresci, que me faz recordar um passado feliz e tudo o que ali vivi, obviamente que não posso esquecer as festas do mês de Agosto, não me esquivando, sequer, à obrigação social que tenho para esse Inesquecível Local.

E, aqui, não posso esquecer, se os meus pais me incutiram, entre outros, os valores da identidade e da disponibilidade para colaborar com a comunidade, não é menos verdade que me sinto muito feliz por perceber que,  pelos meus pais, tudo isso tenho vivido com especial afetividade.

Venho reforçando a ideia de que a idade é sinónimo de sabedoria. Tenho a esperança de chegar a este clube dos maiores de 75 anos, composto por pessoas que muito prezo, que já dobraram o Cabo da Boa Esperança e o Cabo das Tormentas”.

“Cada um de nós é uma enciclopédia viva”, continuo defendendo que “mesmo os que não tiveram a oportunidade de fazer grandes estudos, frequentaram a ‘universidade da vida’, com aulas diárias, de sol a sol, sem direito a férias e com exames todos os dias. E assim fomos adquirindo conhecimento e acumulando memórias de factos muito diversos”.

Saliento que as recordações, que muitos Argoselenses guardam, “fazem parte da nossa história, da nossa vida e da nossa Terra, que muito amamos”, sendo esta obra “uma herança para os nossos filhos, os nossos netos, para as gerações vindouras”.

A lembrança é o que fica daquilo que partiu, daquilo que já não é mais. Lembranças é ausência, é o sentimento de vazio que fica daquilo que se foi. Mas às vezes, a lembrança é um vazio tão grande que ocupa muito espaço dentro do coração, e aperta tanto o peito que acaba transbordando e escorrendo pelos olhos.

 

Ilídio Bartolomeu

 

6 comentários:

  1. “Reavivar continuamente a memória é fundamental para que o passado não seja esquecido, pois capacita-nos a atualizar impressões ou informações, fazendo com que a história se eternize na nossa consciência e se transmita de geração em geração. Partilhá-la entre as diferentes gerações, diferentes comunidades contribui para a construção de uma comunidade mais esclarecida, mais tolerante e melhor”.

    ResponderEliminar
  2. São estas histórias recordadas pelas pessoas que fazem parte daquilo que hoje são as pessoas da comunidade em que vivem. Fazem parte da história passada, mas influenciam aquilo que é vivido hoje. É importante partilharmos estas histórias tão ricas, para que elas não se percam e passem de geração em geração

    ResponderEliminar
  3. Inteiramente de acordo com os mues amigos. Não queremos que a história se perca, mas queremos sim, criar um fio do tempo rico em recordações e factos que construíram e continuam a construir, dia-a-dia, a nossa história e a de todos aqueles com quem vivemos. É esta noção de partilha que faz crescer um verdadeiro sentimento de pertença ao bairro ou à comunidade

    ResponderEliminar
  4. A realização do filme "Alma Viva" na Junqueira, pela luso-francesa Cristèle Alves Meira, é bem a demonstração de quão importante é a preservação do Passado e dos valores culturais que dele emergem.

    ResponderEliminar
  5. Assim é a saudade. Uma ausência presente. Uma ponte que nos oferece acesso livre ao que há de mais intenso e marcante no nosso passado. Quando ela nos visita, traz consigo abraços, olhares, conversas, carícias, promessas, cenários, cheiros, músicas e sorrisos

    ResponderEliminar
  6. Quando estamos de bem com o passado, conseguimos olhar para trás com a sensação de ter vivido intensamente. Só não podemos deixar que ela ocupe todos os espaços do presente

    ResponderEliminar