sábado, 3 de setembro de 2022

OS LUGARES SÃO FEITOS DE GENTES E DE HISTÓRIAS


Aldeia de Argoselo, foi um nome  variável ao  longo dos séculos e, que a tornou célebre pelas belezas naturais, economia agrária, comercio e água em abundancia. Um dos meus sonhos sempre foi escrever a minha terra. Começar por uma ponta, desde o Santo Amaro e acabar no São Sebastião, tão bonita tem estado ela nestes soalheiros dias de verão. A minha terra, na verdade, é um bocado raiano da metrópole.

Fui percebendo, ao viver e ao pensar, que a terra está dentro de mim. Melhor dizendo, a minha terra também sou eu, enquanto cá estiver e tudo o que nela deixar. Este é o olhar de uma pessoa que olha para os meus conterrâneos de uma certa maneira. E isso é bom. Sermos olhados por outros olhares, ajuda-nos a afastar os hábitos que temos. Uma exposição de gentes, seus olhares, seus afazeres, suas alegrias e onde o sagrado e o profano convivem lado a lado.

Na aldeia da minha vida, cresci a ouvir cantar os pardais, os galos, os cães a ladrarem,  o som do tilintar das campainhas das vacas, do chocalhar de cabras e ovelhas,  de passear nos tradicionais carros dos bois e a cavalo nos dóceis burros. À medida que fui crescendo, ia-me deliciando a ouvir histórias do meu Tio Porfírio, homem de personalidade forte, enquanto contava, deixava-me impressionado com o que estava a ouvir e tinha a sensação de medo, é claro que tudo eram fantasias. As brincadeiras na rua nunca cansavam e nunca aborreciam. Começavam de manhã e só terminavam ao sol posto.

A minha mãe, que era pequerrucha e bondosa com um anjo, fazia uma respigona, muito saborosa, que se mantinha boa durante dias. Naquele tempo, o pão era o principal alimento dos portugueses. O pão e o vinho, como fazia questão de frisar, de forma propositadamente ambígua, a propaganda salazarista. Na casa dos meus pais, também era assim. Podia faltar tudo, e às vezes faltava, mas havia sempre pão e umas malgas de caldo de couves ou cebola e batatas às quais eu gostava de o comer no peitoril da janela até dizer ahhhhhh!..

Havia vida nas ruas e todas as pessoas falavam umas com as outras. As festas na aldeia eram grandes acontecimentos sociais e as pessoas reuniam-se todas para festejar. E claro, ao domingo ninguém esquecia a missa e depois dava-se dois dedos de conversa no adro da igreja. Antes da chegada da televisão era assim, mas depois, tudo isto mudou e agora com os telemóveis nem se fala…

Voltar a estes tempos únicos é simples, mágico e só quem passa pela experiência é que consegue perceber o impacto que ela pode ter em nós. Voltar a estes tempos é voltar a um tempo em que tudo passa mais lentamente, com mais calma e mais paz. E mesmo devagar, havia tempo para tudo. Só conhecendo as nossas raízes e a nossa história é que podemos, efetivamente, crescer e ter sucesso no presente e no futuro. Hoje, temos o Google para nos ajudar com todas as nossas dúvidas. Mesmo assim preferia-se os sábios conselhos dos anciões, portadores do seu conhecimento adquirido pela experiência de vida, que ainda desprovidos de instrução escolar tinham muito para ensinar.

A minha aldeia, possuía um Património valioso. Tinha  os pelames que graças aos emigrantes judeus vindos de Espanha os construíram, e os que lhes seguiram foi o seu ganha pão, dava trabalho a muitas pessoas.  Até metade do século XX, consumíamos a água das fontes e comíamos o que a terra dava. Tratavam-se as doenças com plantas do campo, sopas de  cavalo cansado,(malgas de vinho com pão e açúcar), bagaço e mel. A morte ia roubando os mais fracos; e os que resistiam, alguns chegavam a viver quase cem anos. Na Aldeia da Minha Vida interiorizou-se o princípio de que nem só de pão vive o homem. As vivencias justificam a sua existência. Preservar as tradições. Os lavradores matavam um ou dois porcos, nos fornos  cozia-se o pão de trigo, centeio ou de mistura, folares de carne ou sem ela, a assar cabritos, frangos e outros petiscos que nos faziam crescer água na boca.

Quando eu era novo, a juventude era muita… os rapazes estavam na espreita a ver onde é que as raparigas andavam para irmos ter com elas e esperá-las. Elas  iam lavar a roupa nós  íamos  lá ter, se elas iam á fonte nós  metíamos pedras dentro do cântaro, elas tiravam-nas e apedrejavam-nos.  Quando estavam a encher o cântaro  na bica, sacudíamos  a água do tanque para dentro do cântaro e elas despejavam, mas por vezes atingiam-nos com a água e ficávamos molhados  depois riam-se de nós. Mas o prepósito era fazer patifarias para  que elas estivessem mais tempo ao pé de nós. A aldeia, que outrora era próspera na agricultura, criação de gado e volfrâmio, começou a perder habitantes: uns emigraram outros  faleceram na aldeia que os viu nascer.

Em gerações passadas, sobretudo nos anos de 1950 a 1990, a aldeia de Argoselo  contava com os maiores números de habitantes de que há memória, chegando a ajuntar mais de 45 adultos todos os anos á inspeção para a tropa. As memórias destes tempos são as mais estimadas pelos habitantes que as viveram, pois relembram os anos de ouro da aldeia.

As pessoas dedicavam-se ao cultivo das terras e à pastorícia, sendo que em 1965 a aldeia contava com mais de 1.500 habitantes permanentes. Hoje o número de campos cultivados é cada vez menor e gado quase não existe. A aldeia que hoje é Vila, tem uma população mais ou menos 400 habitantes. O que está a acontecer nesta Vila de Argoselo, é um fenómeno que se repete em várias aldeias e vilas portuguesas. Os descendentes mais jovens procuram ir viver para locais mais urbanizados,  as pessoas com maior idade que ficam, deixam de poder trabalhar devido a doenças e à falta de familiares que os ajudem. As vilas e aldeias perdem vigor e vão ficando esquecidas, até que perdem os seus últimos habitantes e eventualmente ficam abandonadas.

Os que escolhem sair da aldeia (vila) fazem-no quase sempre à procura de um futuro melhor. No entanto, há aqueles que continuam a visitar regularmente a vila sem nunca se desfazerem dos bens materiais como casas, que ainda possuem.

Em Julho visitei a Argoselo, serviu para relembrar os tempos da minha infância e juventude, reconheço que, no meu ponto de vista, a aldeia (Vila), que outrora era próspera, nunca mais tornará a ser o que era. Trata-se de um lugar que quase parece ter parado no tempo. A realidade da Vila de Argoselo, estende-se a muitas outras Vilas no interior do país. Neste verão de 2022, visitei a minha aldeia (vila) é de longe, a mais bonita,  a progressividade tem sido muito pouca, diga-se em abono da verdade mas, aja esperança. Enfeita-se com alguns belos jardins das casas dos emigrantes, os campos, montes e vales vão-se ajustando aos nove meses de Inverno e três de Inferno. Na minha aldeia (vila) faz-se história e vive-se a história dos antepassados com amor e alegria, que o diga a Associação Amizade Cultural do Bairro de Baixo.  Se há outra digam-me (excluir Bola)

Era neste espírito que se vivia na aldeia, mas no fundo é neste espírito que todos devíamos viver porque o homem foi feito para viver em sociedade,  pode viver isolado do grupo mas não é tão feliz nem tão bem-sucedido. E como é que podemos recuperar essas raízes e essas partes de nós? A minha aldeia, que é A Aldeia (Vila) da Minha Vida, está de braços abertos para vos acolher.

 Ilídio Bartolomeu



2 comentários:

  1. As raízes é a base de um ser humano, mediante qualquer dificuldade na vida, ele enfrenta, porque ele tem o equilíbrio, ele sabe até onde vai o seu voo: é por isso que atualmente está tudo desestruturado, porque faltam o necessário as raízes (base) as asas, é a fé, a coragem de como podemos enfrentar as adversidades do dia-a-dia. Sou Fã, do Ilídio Bartolomeu, amo tudo que ele escreve e concordo plenamente, ele é um sábio contemporâneo, podes crer

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  2. A odisseia do reencontro permanente com as nossas origens e a procura do Futuro. Parabéns.

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